Licenciado em Biologia e Mestrado em Arquitectura da Paisagem, consultor ambiental e docente em formaçom ocupacional, Antón Bouzas é um grande conhecedor da ordenaçom do território e das riquezas naturais galegas. O seu saber na matéria tem-se posto em muitas ocasions ao serviço do movimento associativo, e participa activamente do colectivo de defesa do património Colectivo A Rula e a Plataforma Pola Recuperaçom Do Sar. Com ele falamos da saúde dos montes galegos e debulhamos os planos florestalistas reforçados polo poder.

Como começa o teu interesse pola paisagem e a ordenaçom do território?

Som Biólogo de formaçom, e acho que qualquer pessoa que envereda por estes estudos fai-no por ter um certo interesse real polo meio. Com o tempo, especializei-me no paisagismo e trabalhei durante mais de duas décadas num viveiro de restauraçom ecológica. Também participei em vários projectos de restauraçom de costas, dunas e montes, e como consultor ecológico analisei o impacto de obras civis.

Desde as tuas origens no cuidado e defesa do meio ambiente, que evoluçom observas?

Eu formei-me na década dos 80, e cumpre levar em conta que na altura as expectativas eram muitas, pois saíamos da nulidade ambiental da ditadura e do esquecimento da questom na transiçom, o esquecimento oficial. Logo tínhamos umha certa esperança de que a democracia, o novo regime, nos pugesse à altura do considerado mundo moderno e europeu, vaia, umha esperança de completa homologaçom. E com efeito, fixérom-se muitas cousas no plano formal: certas áreas convertêrom-se em parques naturais, abriu-se umha Conselharia de Meio Ambiente, começárom as declaraçons de impacto ambiental…ora, o que vês na realidade, além do formalismo, é umha outra realidade.

Eu considero que na realidade recuamos, a protecçom ambiental deturpou-se, nom existe um interesse verdadeiro na conservaçom, nem na gestom natural dos recursos. A depredaçom extendeu-se até limites inimagináveis.

E socialmente, houvo avanços na consciência?

Houvo, sem dúvida. Hoje em dia a populaçom nom está tam enganada, nom ignora até esse ponto a problemática ambiental, ainda que os que controlam o statu quo tentem vender umha situaçom que nom é tal. Aliás, estamos num momento em que nom se pode ocultar o que acontece, nom se pode de nenhum modo, dada a magnitude da crise ecológica planetária.

Diante dumha pessoa ignorante da nossa riqueza paisagísta e natural, que destacarias como principais valores a preservar?

Somos um território enormemente antropizado, como é sabido, e ainda com isso e contodo os valores naturais e patrimoniais galegos som imensos, pois o nosso território acolhe formaçons vegetais, umha rede fluvial muito densa, e processos ecológicos muito singulares. Considero que um dos principais elementos que temos que levar em conta é que dous terzos do nosso território som monte, logo é no monte onde se acha parte do que temos de mais valioso, quer natural, quer humano. Eu sempre saliento o vencelho entre o património natural e o histórico-cultural, para mim som de todo indissociáveis, e de feito nos colectivos sociais que trabalho, a defesa da natureza sempre acaba por ser defesa da cultura, e ao revés. E de feito, quando estamos a proteger umha certa área boscosa, ou um cordal, um área determinada, é frequente que estejamos a proteger ao mesmo tempo uns petróglifos, umha mámoa, um castro

Neste momento histórico que vivemos, como sabemos tristemente, umha das fundamentais ameaças é a eólica, e cobre umha parte imensa do território, segundo a lógica de ocupar o que se puider e como se puider. A título de exemplo, a tentativa de instalar um parque nos Penedos de Traba, com uns valores paisagísticos únicos, expressamente protegidos, que semelham nom interessar nada aos políticos…

Outros activistas do ecologismo que temos entrevistado remarcam que, desde aquele auge associativo da década de 90, perdeu-se pulo militante, e o compromisso activista tem-se enfraquecido.

Nom, nom tenho essa percepçom, permitide-me dissentir. Si, é certo, em certo momento histórico eclossionárom pequenos grupos locais, por um lado Hábitat, por outro Erva…muitos mais, si. Houvo um pulo, sem dúvida, mas o certo é que agora, quase trinta anos depois, este tecido associativo é muito maior, cobre o território de maneira mais efectiva, ainda que mais transversais e nom tam exclusivamente “ecologistas”. Podemos repassar a cantidade de novos colectivos que se tenhem artelhado nos últimos anos contra a minaria invasiva ou contra os parques eólicos, minaria, protecçom do património, etc, colectivos que aliás tenhem umha dinámica de contacto e colaboraçom…repito, nom penso que se perdera pulo, antes ao contrário.

Como sintetizarias as linhas principais da política florestal que se nos está a impor?

É um tema muito amplo, tenho-o abordado em algum artigo publicado na revista ‘Cerna’, ou no capítulo dum livro publicado polo colectivo A Rula, intitulado ‘Na espiral dos círculos concêntricos’. Eu, antes de abordar a política florestal acho que cumpre ter em conta aspectos chave da nossa realidade galega: o primeiro, como dixem antes, nom podemos arredar natureza e cultura, portanto, identidade, herança cultural e viabilidade das formas de vida vam unidos. Em segundo lugar, quando falamos dos montes na Galiza falamos, no mínimo, de dous terzos da nossa superfície territorial, pois no país a superfície agrária útil nunca superou o 30%. Dito de outro modo, se falarmos dos montes falamos da maioria do nosso fogar. Logo, entrando de cheio na política florestal, eu saliento duas cousas: que é a Junta a que a aplica, mas com consentimento estatal, e com umha longa tradiçom desde o Estado, pois nom por acaso é a continuidade da política florestal do franquismo, baseada nas repovoaçons, e orientada para a produçom de madeira barata, em maos da indústria da celulose e os taboleiros.

Imos entom às cifras, que me parecem eloquentes: o sector florestal galego pesa um 3,5% no nosso PIB, e sem negar essa importáncia relativa, imos ver o que supom o valor da madeira que produzimos no nosso PIB: apenas o 0,5%. Ou seja, que a Galiza, produzindo mais da metade da madeira do Estado, só ingressa umha cantidade irrisória por essa madeira. Que nos quer dizer isto? Que é um valor orientado à indústria, nom aos proprietários.

As razons som claras, ao meu juízo: nom se fomentárom as espécies autóctones, nem a ordenaçom do território, nem um uso multifuncional do monte que harmonize as suas distintas partes: porque o monte pode e deve produzir, obviamente, mas nom só madeira, também por exemplo cogomelos, e dar espaço à gadaria. Ao mesmo tempo, deve ter um valor de conservaçom ecológica, sendo como é umha barreira fulcral contra os efeitos da mudança climática, para isso existem os chamados bosques protectores, aqui absolutamente descuidados. Pensemos apenas nas toneladas e toneladas de CO2 que se deitam ao ar nas grandes vagas de incêndios, que se cebam no eucalipto. E finalmente, tendemos a esquecer que o monte tem umha funçom social, além da económica: fomenta a saúde das populaçons fomenta, o lazer, fomenta a valorizaçom do nosso património, e até pode ser um recurso turístico. Pouco que se repara, por exemplo, que entre o turismo e a indústria cultural alcança-se o 13,5% do nosso PIB, umha cantidade que acho supera com muito o 3,5% do sector florestal.

Os seus defensores dim, em troca, que é um sector que funciona porque produz e tem em conta ‘as cousas de comer’

O primeiro que teriam que aclarar é que há de racional, ou de responsável, num modelo que produziu um enorme eucaliptal de Tui à Marinha e, com as condiçons da mudança climática, pode ser pasto dum desses mega-incêndios que estamos afeitos a ver recentemente em outras latitudes. Trata-se dumha irresponsabilidade absoluta.

Ora, voltemos às cifras. Se repassamos as cantidades do que nos custa a prevençom e extinçom de incêndios, veremos que ascende a 200 milhons de euros por ano. Se comparas isto cos 300 milhons que vale a madeira talada anualmente,, a pergunta lógica a formular é: como financiamos isto, se na realidade só favorece a indústria? Mais ainda nuns tempos em que a queda de preços é evidente.

Outra pergunta a formular é, com a riqueza florestal que tem a Galiza polas suas peculiares condiçons ambientais, como é um país que ainda importa hoje madeira nobre, por exemplo carvalho francês? A resposta é óbvia, claro, na França há umha política florestal de médio e longo prazo e nom baseada nos ciclos curtos e no imediatismo

Quais som ao teu juízo as chaves para reverter este modelo?

Cumpriria dar-lhe a volta por completo, sem dúvida. Quero lembrar aquela iniciativa do concelho de Teo, que incluira o eucalipto na listagem de espécies invasoras, com o assessoramento dos melhores expertos em meio ambiente, mas claro, o ministério rejeitara assumir a declaraçom, pressionado polos interesses industriais.

Umha política racional nom teria por que eliminar todo o eucalipto, mas si limitá-lo e controlá-lo. O último inventário florestal da Galiza, que está desactualizado já, reconhecia que arredor dum quarto do nosso monte eram já eucaliptais, que son maioritarios em muitas comarcas da Galiza baixa (e agora ameaçam as terras altas com a introduçom do Nitens), e também que un terzo desas massas já se espalhara polas matogueiras, carvalheiras e pinheirais. Por que? Pois obviamente, porque se espalha só favorecido polos lumes, como espécie invasora que é.

Apontamos com razom que as administraçons estatais e autonómicas tenhem responsabilidade neste panorama, e é certo. Mas esquecemos com demasiada facilidade que os concelhos tenhem muito a fazer, pois eles som responsáveis polos PGOM. Existe umha figura que se chama ‘espaços naturais de interesse local’, que podem ser ferramenta de preservaçom e ordenaçom territorial. Mas só há dez em toda a Galiza…quando em realidade bem poderia haver um por cada paróquia do país.

Finalmente, lembrar que nem todo pode ser monetarizado, nem tampouco pode ordenar-se multifuncionalmente o monte se nom se aborda o problema dumha estrutura da propriedade, que resposta às necessidades agora já inexistentes e resulta disfuncional para as actuais. Cumpre pôr em pé ferramentas de gestom ajeitadas para a recuperaçom dum certo carácter ‘procomum’ destes espaços. A externalizaçom dos custes ambientais e sociais do modelo florestal actual deve reverter-se, pois se o financiamos e sofremos entre todos, merecemos como sociedade a devoluçom dumha percentagem significativa do nosso lar.