As controvérsias que dominam o Reino de Espanha impedírom que a questom ganhasse actualidade: no passado 19 de setembro, o parlamento europeu aprovava em declaraçom a condena de ‘nazi-fascismo e comunismo’ como sistemas equiparáveis. A pouca atençom a este organismo, com poderes encolhidos, intensificou ainda a indiferença. Porém, a medida tem transcendência para as forças e movimentos sociais de esquerdas, pois ratifica institucionalmente a perseguiçom a muitas luitas.

Há dous meses, o parlamento europeu aprovava umha declaraçom promovida polo grupo popular e o grupo conservador. Neste último tenhem um peso especial os ultraconservadores poloneses, caracterizados por seguirem teses do catolicismo integrista e um arreigado anticomunismo. Com 535 votos a favor, 66 em contra e 52 abstençons, a direita extrema negou-se mesmo a pactuar um texto mais matizado, que era o que sugeriam os socialistas europeus. Deste modo, o texto final estabelece que ‘nazismo e comunismo som sistemas totalitários por igual, emparentados polos seus assassinatos em massa, genocídios e deportaçons.’

Europarlamentário da Lega de Salvini dá conta de prostestos de grupos comunistas às portas do parlamento europeu no dia de votaçom da moçom, pedindo actuar contra os mesmos

Revisionismo histórico

Trás a aprovaçom, alcança rango institucional umha escola histórica, a revisionista, que leva décadas a trabalhar pola minimizaçom dos danos sociais causados polos fascismo, e obviamente pola invisibilizaçom dos vencelhos capitalistas com as formas autoritárias da direita. O cabalo de batalha de tal escola é o comunismo, que se apresenta como um sistema estatal baseado na eliminaçom de amplas capas da sociedade. A finais da década de 90, o best-seller ‘Livro negro do comunismo’, coordinado por Stéphane Courtois, ganhou-se o favor da imprensa comercial quantificando os milhons de mortes violentas que, segundo ele, teria causado o socialismo. Na mesma linha profundizou Ryszard Kapuścinśki, que tem afirmado que ‘o terror de Estaline foi mesmo pior que o de Hitler, prolongado-se mais de duas décadas.’

Stéphane Courtois, professor do Catholic Institute of Higher Studies, foi um dos primeiros em defender a analogia entre nazismo e comunismo e adjectivar este último também de regime totalitário

A tese nom tem demasiada força intelectual, e mesmo pensadores da esquerda liberal tenhem questionado a pertinência da comparaçom. Numha crítica publicada há duas décadas ao livro de Courtois (‘Tan negro que tizna’, 1998), Carlos Taibo recordava que precisamente as críticas originárias às derivas autoritárias, verticalistas ou opressoras de muitas tentativas de socialismo ‘fôrom primeiro formuladas polos próprios comunistas’. Aliás, Taibo recordava que todos os fenómenos de violência sócio-política devem de ser calibrados no próprio contexto: “embora nom há justificaçom possível dos crimes, tem o seu interesse colocá-los num cenário que permita alviscar que nenhum dos regimes que os acometeu jurdiu da nada”, isto é, de cenários de cerco bélico e agressom exterior constante. Na mesma linha de crítica parcial ao socialismo real, representantes do Partido Trabalhista Holandês e do Bloco de Esquerdas, manifestárom num documento alternativo que “apesar de certas analogias, o nazismo e o comunismo tivérom um carácter essencialmente distinto.”

PCP, contundente

Foi quiçá o comunismo português o que, no campo institucional, se manifestou com maior contundência contra a declaraçom. Jerónimo de Souza, o seu secretário geral, falou de ‘abjecta resoluçom, deplorável peça de revisionismo histórico’, e vincou no silenciamento do documento oficial na hora de silenciar as “coniventes responsabilidades das grandes potências capitalistas com Hitler, que logo abriram caminho à II Grande Guerra.” Aliás, resulta difícil contornar o papel político-militar fundamental dos comunistas nas resistências ao nazismo em toda a Europa ocidental, por nom mentarmos o carácter determinante da URSS na queda de Hitler. Aliás, nuns países europeus onde boa parte dos direitos (laborais, associativos, democráticos) fôrom ganhados pola luita a pulso de comunistas, libertárias ou socialistas em mais dum século, a equiparaçom resulta grotesca.

O PCP, em contraposiçom ao PC espanhol, emitiu umha crítica contundente contra a declaraçom do parlamento europeu

Nenhuma casualidade

Se há um discurso da equiparaçom, a prática repressiva europeia aponta fundamentalmente contra as forças da esquerda, mais que contra o fascismo que ganha espaço em parlamentos e televisons. Na Ucraína, por exemplo, o comunismo considera-se umha ideologia ilegal desde 2015. Cantar a Internacional ou vender souvernirs da antiga URSS está penado com anos de prisom, e nos meios de comunicaçom proibe-se negar o carácter ‘totalitário’ do modelo soviético.

Em contraposiçom, e demonstrando que as teses equiparadoras som mais teóricas que reais, os dirigentes ucranianos reabilitárom a memória de forças nazis: assim, a Organizaçom de Nacionalistas Ucranianos e o Exército Ucraniano Insurgente, colaboradores com o hitlerismo e envolvidos em limpezas étnicas, consideram-se oficialmente como ‘referentes independentistas.’ A decisom considerou-se tam escandalosa que setenta eruditos de todo o mundo enviárom umha carta ao presidente, Petro Poroshenko, pedindo-lhe a retirada da lei que enxalçava os nazis.

Romaniv é o actual dirigente da Organizaçom de Nacionalistas Ucranianos, que recebérom oficialmente o status de veteranos pola sua participaçom na Segunda Guerra Mundial

Preocupaçons capitalistas

O descontentamento da crise capitalista aviva as ameaças do extremismo direitista mas também e sobretodo, e isto preocupa à mídia e à política do sistema, as inquedanças socialistas. Há três anos, o Washington Post advertia um ‘súpeto revival da ideologia socialista’. A palavra ‘socialismo’, que a diferença da Europa, nos USA quase se identifica totalmente com ‘comunismo’, espaventava os cronistas, que registavam com preocupaçom o milhom e médio de votos colheitado por Bernie Sanders nas primárias do seu partido. 43% destes votantes declaravam-se também anticapitalistas.

A causa é evidente: “os passados dez anos de crise tenhem erodido a credibilidade do liberalismo para os millenials”, diz a imprensa norteamericana. Sem embargo, o grosso da extrema direita prefire ignorar as raízes sócio-políticas do descontentamento e trabalhar no processo de deslegitimaçom do comunismo: “estamos em plena exibiçom de amnésia histórica sobre o comunismo”, diz a Fundaçom de Vítimas do Comunismo, que suscreve as teses defendidas polo parlamento europeu. Num inquérito encarregado pola fundaçom à entidade YouGov, revela-se que nos USA, 70% dos millenials pretende votar o que consideram ‘socialismo’. Umha terceira parte desta geraçom declaram-se ‘simpatizantes com o comunismo’.

Assim sendo, a ofensiva partidária na UE contra o socialismo tem as suas razons, o medo ao reponte das ideologias igualitaristas que deslegitimem o culto ao mercado ainda imperante. No entanto, enquanto a tese ‘equidistante’ se impom, as extremas direitas ocupam um crescente espaço parlamentar, mediático e social.