Muitas vezes estivem presente em reunions de pessoas que, polos padrons da cultura tradicional, som consideradas por altamente cultas, e que, com considerável satisfaçom, expressárom a sua incredulidade quanto à falta de instruçom dos cientistas. Umha ou duas vezes fum provocado e perguntei quantos deles poderiam descrever a Segunda Lei da Termodinâmica. A resposta foi fria: também foi negativa. No entanto, eu estava perguntando algo que equivaleria em termos científicos a: “Já leu umha obra de Shakespeare?”.

Acredito agora que, se tivesse feito umha pergunta mais simples, como, por exemplo: O que entende por massa, ou por aceleraçom, que é o equivalente científico de dizer: “Sabe ler?”, nom mais do que um de cada dez dos altamente educados teriam percebido que eu estava falando o mesmo idioma. Portanto, enquanto o grande edifício da física moderna cresce, a maioria das pessoas inteligentes no ocidente tem o mesmo conhecimento científico que tiveram os seus antepassados neolíticos.

Quando o físico e romancista britânico C.P. Snow pronunciou estas palavras (p. 8) estava a fazer referência às duas culturas, é dizer, à ausência de entendimento ou diálogo entre as ciências e as humanidades, feito que, segundo Snow, dificultava a compressom dos acontecimentos e a soluçom dos problemas reais. Mas este mesmo razoamento deveria estender-se também ao conhecimento político. Poderia pensar-se que as humanidades abrangem a política, mas é habitual encontrar-se com pessoas inteligentes, mesmo brilhantes, com extensíssimos conhecimentos em diferentes áreas: em física, em biologia, em literatura, em matemáticas, na arte ou em qualquer outro campo, e que à sua vez som completamente analfabetas em questons políticas.

Surpreende ver que pessoas inteligentes o mais ao que alcançam é a repetir acriticamente os quatro tópicos da ideologia dominante. E surpreende ainda mais tendo em conta que o ser humano é, naturalmente, um animal político e que a nossa qualidade de vida depende profundamente da açom política: bem seja da nossa própria açom política ou da que exercem aquelas pessoas em quem delegamos voluntariamente ou por omissom. Mas se preguntamos, parafraseando o texto de arriba, quantos lêrom algumha obra de Marx ou Beauvoir, muitos nem saberiam mencionar umha obra destes autores. E ante umha pregunta mais simples, como por exemplo, que é ser de esquerdas, ou de direitas, a maioria nom seria quem de dar umha resposta coerente (já o tenho comprovado). E mesmo em questons eminentemente pragmáticas, como por exemplo, as relacionadas aos nossos direitos sindicais, a resposta é insatisfatória.

Esta situaçom de desconhecimento político é, obviamente, promovida polo poder. Desde a publicaçom de O fim da história intentam convencer-nos desde todo tipo de plataformas (desde o sistema educativo até pseudo-debates televisivos) que nom há alternativa política à democracia liberal de livre mercado e que em qualquer caso, a política deve ser gerida por “técnicos” sem ideologia, como se fosse possível deixar a ideologia à margem.

Em definitiva, o poder quer-nos analfabetos políticos e portanto nom se trata de um problema individual, mas coletivo, e por isso mesmo é necessário que desde os movimentos populares nom se descuide a formaçom. Como dizia Gramsci: “Instrui-vos porque teremos necessidade de toda a vossa inteligência. Agitai-vos porque teremos necessidade de todo o vosso entusiasmo. Organizai-vos porque teremos necessidade de toda a vossa força”.