Eu ainda nom fizera os quinze anos. Era o verao de 1997 e fora com o meu curmám. Aquela manhá solheira foi a primeira vez que entrei no clube de remo. Era um edifício de dous andares: abaixo guardavam-se os barcos e das paredes penduravam os remos de madeira, ao fundo um único vestiário. No andar de arriba, o ginásio e umha pequena oficina onde se arrecunchavam os troféus. Já daquela era um edifício velho, com história, um lugar onde já sucederam cousas: com o passo do tempo soube que foram os vizinhos, os primeiros remeiros e os sócios, quem construíram o clube com as suas próprias maos. Tiveram mesmo que enfrentar-se às administraçons e à Guarda Civil mas, como contava um deles, “nom era para mim, era para o povo, e segue a ser para o povo”.

Mas o tempo passou e o progresso seguiu a avançar arrasando com tudo. O processo de modernizaçom ao que se viu empurrado o País mudou-no tudo. Quase qualquer espaço popular foi ocupado polo mercado e domesticado para tirar-lhe um proveito económico. Os lugares tradicionais, que estám definidos por terem identidade, relaçons e história, dérom passo a novos espaços que carecem destas três qualidades. Espaços de trânsito que carecem de significado suficiente como para serem definidos como lugares. O que o antropólogo francês Marc Augé véu em nomear como “nom-lugares”.

Para chegar a isto, os vínculos emocionais e sentimentos de pertença fôrom extirpados e substituídos por relaçons comerciais e por redes sociais virtuais. Cria-se assim um mundo comprometido à individualidade solitária, ao passageiro e ao efêmero.

Fôrom ganhando terreno os lugares de passo, os espaços de trânsito: as autoestradas, os aeroportos, as stories de Instagram, as áreas comerciais, os supermercados, as franquias de comida lixo, os resorts turísticos, os centros de beleza e os ginásios onde construir o corpo perfeito. Qual é a diferença entre um centro comercial de Vigo e outro de Rio de Janeiro? Nom há, som lugares monótonos e anónimos. Em oposiçom a estes “nom-lugares” existiam uns lugares onde a comunicaçom e o diálogo era constante. Eram a praça, a ágora, a assembleia, o concelho aberto, a aldeia, os lavadeiros das vilas, as foliadas, os ultramarinos, os caminhos e as encruzilhadas onde a gente se detinha a falar… Lugares onde a gente se conhece polo nome e ninguém é anónimo. Lugares antropologicamente densos, onde o peso da história está incrustado nas pedras das paredes e no próprio chao.

Baixo o capitalismo homogeneizador, se tés dinheiro, tés direitos. Se pagas a cota mensal no ginásio tés direito a utilizar as suas instalaçons, mas só. Só. Unicamente. Ilhado. Nos ginásios nom há vínculos, nom há compromisso, nom há comunidade, nom há um projeto comum. É um edifício onde pagas, adestras e marchas. É um lugar de trânsito. É um espaço lubricado polo consumo e o ego.

Mas naquele edifício onde entrei por primeira vez no verao de 1997 nom era preciso pagar. Ao igual que na assembleia, lá, as pessoas reconhecem-se e concedem-se um mínimo de igualdade, comprometem-se entre eles e confiam ao trabalho mútuo os seus objetivos comuns. Aquele edifício no que entrei no verao de 1997 era um “lugar”. E é precisamente por isso que choramos quando o vimos baleiro antes de ser derruído. Baleiro de cousas, mas cheio de história, de sonhos cumpridos e por cumprir, cheio de identidade e de relaçons. Doeu vê-lo cair, mas como dizia Marc Augé, “um lugar nunca é completamente borrado”. Fica na nossa memória.