Há oitenta anos, num complexo panorama de agressividade reaccionária, sectores da intelectualidade inibírom-se da guerra iminente chamando a umha ‘terceira Espanha’. O confronto nom era produto da vontade fascista de impor-se pola força, senom do radicalismo de ambos os bandos. Na actualidade, com o neofranquismo a pilotar os principais resortes do Estado para sufocar a Catalunha, voltam as vozes da imparcialidade e a equidistáncia. A seguir debulhamos onde se desenha esta estratégia, tam velha como a história.

Um vasto conglomerado político e mediático tem lançado a primeira plana o progressismo nos últimos anos. Agrupa-se por volta de forças políticas como Podemos e as suas versons periféricas, cabeçalhos como diario.es ou publico.es, poderosos canais como La Sexta, grupos de tertulianos profissionais e quadros académicos. Em geral, representa a chamada classe média clássica (profissionais liberais e celebridades da pluma), acompanhada por umha nova classe média ideológica: a de jovens precarizados e apavorados pola crise das finanças que pretendêrom manter o estatus cultural e económico pre-crise dando o salto à política institucional e os seus coros. Dos movimentos populares autogeridos, passárom a engrossar as burocracias dos novos partidos, os platós televisivos ou o espaço dos influencers da internet. Apresentárom-se em sociedade como o ‘espaço de ruptura’, e na actualidade pedem sentido comum e consenso. ‘Estamos contra o choque de trens do 155 e o independentismo unilateral’, manifestara Ada Colau, alcaldesa de Barcelona, umha das suas representantes egrégias.

Ada Colau: a impossível missom de entender-se com todos. Imagem: auraree.com

Mediapro, um capitalismo dissidente

O novo progressismo é um fenómeno social que fermentou nas ruas e se desenhou nas altas esferas. Para compreender as suas origens temos que situar na sua dimensom o fenómeno Mediapro. Em 1995, umha nova empresa mediática catalá abria-se passagem no Estado do bipartidismo e da incipiente televisom lixo. Dirigia-a Jaume Roures, um ex-militante da LCR acusado na década de 80 de relaçom com militantes de ETA. Com a passagem dos anos, e sem abandonar a sua retórica marxista (‘eu nom trabalho, eu milito’, diz aos meios), este milhonário de nova fornada conseguiu a amizade de Rodríguez Zapatero. Som os anos nas que umha parte do PSOE tenta o desbloqueio da questom catalá com a reforma do Estatuto, a um tempo em que procura o fim da luita armada no País Basco negociando com a esquerda independentista. O grupo PRISA, buque insígnia do nacionalismo espanhol, nunca perdoará tal deriva, e também a extrema direita mantém desde entom umha hostilidade invencível com o fenómeno Zapatero.

A reforma estatutária catalá foi gorada e ETA, farta de promessas incumpridas, voltou às armas. Zapatero perdeu as eleiçons. A ideia dum progressismo difuso parecia finada. Porém, Mediapro continuou a sua extensom: chegou a conseguir os direitos das emissons futebolísticas, abriu delegaçons em lugares como Miami ou Qatar, e mantivo agonizante o seu estandarte mediático, o diário Público. Em 2005, o governo Zapatero dera-lhe licença para abrir La Sexta. Sentavam-se as bases para o relançamento do projecto na década que agora remata.

A crise e La Sexta

Em jornais como Púbico formara-se umha nova canteira de intelectuais progressistas de mediana idade, alheios a qualquer crítica ao capitalismo, mas enormemente sensíveis com os efeitos mais chamativos da crise: corrupçom generalizada, bipartidismo enquistado e diferenças sociais em alça. As contradiçons, porém, chegárom aginha. Em 2012, o jornal fechou (mantém-se a sua versom online) e Roures deixou na rua mais de 150 trabalhadoras. El País, inimigo encarniçado deste dissidente do PSOE, acusou sempre o empresário catalám de ter um terzo das suas contas em paraísos fiscais.

Jaume Roures, o milhonário ‘marxista’ que deu soporte à esquerda equidistante

O seu relevo, eldiario.es, formulou-se com vocaçom mais cidadá e desvinculado de grandes grupos capitalistas. Porém, o futuro estava nos grandes espaços televisivos, que alimentariam a classe média em decadência. Um capitalismo inteligente abriu-lhe espaço. Desde entom, La Sexta converteu-se no foro de criaçom de opiniom mais importante deste sector; também a demonstraçom de que os capitalistas jogam com todas as cartas para nom perder nunca.

Hoje, o canal fai parte do grupo Atresmedia, do que Mediapro é accionista minoritário. O seu grupo dominante é Planeta, que também possui OndaCero (defensor do bipartidismo), La Razón (extrema direita) e empresas de cultura e formaçom como Casa del Libro ou CEAC. O canal do progressismo também está em maos do gigante mediático alemao Bartelsman, de Globomedia, Televisa (participada polo milhonário alemao Carlos Slim) e GAMP (delegaçom do Banco Bizkaia Kutxa).

La Sexta canalizou em certa medida a ira popular desatada por umha década de retrocesso nas condiçons de vida e nas liberdades. Acompassou o processo de integraçom no Regime de Podemos e as suas delegaçons periféricas, e deu celebridade a jornalistas jovens que mantivérom a crítica ao statu quo sem questionarem o capitalismo, e censurando processos de soberania ‘unilaterais e nom pactuados’. Foi infrequente a crítica pública a esta cenificaçom da dissidência, embora houvo momentos pontuais em que o decorado caiu por terra. O actor Willy Toledo, porventura único representante da esquerda real na televisom, aproveitou a sua presença pontual em El Rojo Vivo para denunciar os vetos que sofria por parte de La Sexta.

E a política? Egos, atomizaçom, equidistáncia

No momento mais agónico do bipartidismo, a nova política progressista serviu para desmobilizar as ruas e canalizar a carragem popular cara as contendas eleitorais. A medida que as instituiçons e a mídia abriam espaço a novos concelheiros, deputadas, tertulianos e assessores, o discurso amolecia e fazia-se mais tolerante com o Regime. A nova geraçom, porém, demonstrou que nom sabia estar junta muito tempo. A cultura da fama, a egolatria e as frases engenhosas das redes sociais, distorcem facilmente as causas colectivas. A luita por postos minguantes, as diferenças sobre como responder à seduçom do poder, as enemizades pessoais e as pressas deitárom quase todo por terra. Processos cissionistas difíceis de seguir pola sua complexidade debilitárom de vez estes projectos.

O chamado ‘espaço rupturista’, na realidade um progressismo liberal que já fora inventado, enfrenta-se agora a um processo de ruptura real: a rebeliom catalá, o movimento popular mais importante da história peninsular nas últimas quatro décadas. Ante o fenómeno, a sua posiçom é transparente: Pablo Iglesias chamou a ‘acatar a sentença do ‘procès’ e ininiciar a reconciliaçom’. Alberto Garzón propujo ‘diálogo e a um projecto de Espanha que seduzir a Catalunha’. Íñigo Errejón, antes de nos adentrarmos no mais duro da crise territorial, apostou em recuperar a bandeira monárquica ‘como símbolo da esquerda’, um passo que nem o PCE assumira de bom grau na sua renúncia da Transiçom.

Carolina Bescansa tem manifestado que a questom nacional galega nom existe. Imagem: David Castro, El Periódico.

Quanto a Galiza, aquele dito rupturismo fijo retroceder mesmo as pobres posiçons autonomistas do BNG. Frente ao ‘contar mais no Estado’ apregoado por Ana Pontón, a deputada Carolina Bescansa manifestou que ‘a questom do auto-governo galego já está fechada segundo manifestou a cidadania no seu dia.’ Luís Villares, por seu turno, dixo que nom existe demanda social nenhuma do direito a decidir no nosso país, polo que nom fazia nem sentido formulá-lo. A questom galega desaparecia do mapa.

Enquanto toda a esquerda institucional retrocedeu no seu programa e avançou na sua moderaçom, umha nova direita extrema foi-se conformando nas instituiçons, nas redes, e no interior das forças policiais. Ante a ocupaçom da Catalunha promovida por toda a frente espanhola, o velho espaço rupturista pede ‘evitar choques de trens’.