‘À sombra duma azinheira /da que nao sabia idade /jurei ter por companheira /Grândola a tua vontade’ (José Afonso)

Poucas pessoas sentam já ao pé dumha árvore procurando sombra ou acobilho; de o fazerem, provavelmente nem saibam que árvore as protege. O vate popular José Afonso, há 55 anos, si sabia, e muito, do poder destes seres que falam da saúde ambiental e também da história dos humanos. No Alentejo, em 1964, ficou comovido pola beleza da vila de Grândola. Fora convidado a um concerto pola Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, e quatro dias depois compujo umha cançom de homenagem à gente e à paisagem. Umha década depois, letra e música serviriam como espoleta de saída dumha revolta popular e militar que decorria muito perto da Galiza. Desconhecemos se em muitos hinos revolucionários aparece umha árvore como emblema; na tradiçom galego-portuguesa si: exalta a azinheira centenária, símbolo do Alentejo, que também discretamente se extende por terras galegas. No nosso roteiro semanal, descobrimos esta árvore, que representa a síntese atlántico-mediterránea da Galiza.

A azinheira, também chamada sardao em Trás-Os-Montes, é emblema máximo da cultura mediterránea. Tradiçom milenária que na Galiza conhecemos desde a pre-história graças ao tráfico de mercadorias dos fenícios; e influência biológica e climática que penetra na nossa terra polo surleste e nos vales do Minho e do Sil.

A azinheira, que como o teixo loze um verde intenso e perene no médio de bosques caducifólios, é umha árvore de porte redondeado e tamanho mediano; os seus exemplares mais grandes chegam aos vinte metros de altura. É da família dos Quercus, como o carvalho, palavra de origem celta que significa ‘formoso’. Na Europa topamos as subespécies Quercus ilex ilex e Quercus ilex rotundifolia, esta última mais surenha e ajeitada às exigências da seca e da calor. A sua landra, mais afiada e clara que a do carvalho, alimenta o gado e umha ampla variedade de avifauna. Alia-se especialmente com o gaio ou pega marça, que acumula importantes armazéns de landras em agochos no bosco, em previsom de carência alimentar; ao nom consumir todos os depósitos, favorece a expansom dos acinheirais com a passagem do tempo.

O gaio, grande amigo da azinheira. Imagem: hablemosdeaves.com

Extensom e adaptaçom

O estereótipo celto-atlántico galego leva-nos à associaçom imediata da nossa Terra com carvalhos, bidoeiros ou ameneiros. Poucos pensam na azinheira como espécie autóctona. Na realidade, é umha companheira milenar do ser humano na nossa latitude. E se a mudança climática avançar -como tristemente parece acontecer- terá capacidade para colonizar mais e mais do nosso território. Soporta longas secas e altas temperaturas, se bem é certo que nom coalha nos solos ácidos galegos. Poderia desenvolver-se em chaos muito rochosos, como fai nalgumha serra do leste galego, alcançando mesmo os 1000 metros de altitude. Na Inglaterra foi introduzida no século XV e reforçada no século XIX nos jardins vitorianos. Agora, graças ao quecimento global, considera-se espécie invasora em terra anglosaxona.

Lá onde se combinam certas condiçons, pode existir o azinheiral cantábrico. Cumpre que se encontrem terrenos caliços, acentuadas pendentes (para evitar a acumulaçom de humidade no solo) e altas temperaturas para vermos tam curiosa estampa. E assim acontece em algumhas zonas do oriente asturiano, ou do duranguesado basco. Altíssimas costas, acarom ou muito perto das brétemas cantábricas, inçadas desta árvore mediterránea. Som pervivências dumha época antiga, que rematou no medievo, antes de começar a ‘pequena idade de gelo’, na que as costas atlánticas registavam temperaturas mais altas, semelhantes às que hoje estamos a alcançar. E de feito, ainda que considerada um emblema das costas catalás, andaluzas, italianas ou gregas, umha das azinheiras mais singulares da Europa está em Euskal Herria. Chama-se azinheira de Tres Patas, está em Mendaza (a quase 70 kilómetros de Irunha) e beira os 1200 anos de idade. As azinheiras fincam as suas raiceiras também na história basca mais ancestral, pois outro dos nomes castelhanos da árvore -chaparro- é palavra euscaldum.

Azinheira de Tres Pasos, 1200 anos de história em Euskal Herria

Força e persistência

De tronco retorto e cortiça ríspida, a azinheira é umha árvore forte no físico e no simbólico. Resiste muito bem a poluiçom e atura fortes ventos, por isso é beneficioso plantá-la nas redondezas das cidades. A sua madeira dura é imputrescível. Os nossos antergos utilizárom-na para traves de vivendas, rodas de carro e carvom vegetal.

Nos mitos, partilha virtudes com o carvalho, o seu curmao. Para celtas e gregos ambas eram as ‘árvores do lôstrego’. Nom se tratava dumha definiçom azarosa: os antigos observavam como atraziam os raios e, depois de receberem a sacodida, aturavam o golpe. A ciência moderna descobriu que as suas folhas actuam como minicondutores eléctricos. O raio é a arma castigadora de Zeus, e por isso os gregos associárom a azinheira a este deus. Ao seu pé, dim-nos os mitos, a divindade meditava, inspirando-se com o rumor das folhas. Até a cultura letrada recolheu a veneraçom à acinheira. Rendêrom-lhe culto os povos semíticos (aparece na lenda de Abraám), e Platom diz-nos no ‘Fedro’: ‘é umha tradiçom, estimado amigo, do santuário de Zeus em Dodona que dumha acinheira saírom as primeiras revelaçons proféticas’. Ovídio, n’A metamorfose’, fala ‘da regiom da Dodona com os seus quercus parlantes’. E ainda, na lenda de Jasom e os Argonautas, Atenea pugera na nau ‘um madeiro dotado do dom da voz’. Natureza que fala, natureza que aconselha, natureza que adverte. Como víamos na passada semana a propósito do corvo, todo o que nos rodea manda sinais para os antigos. Difícil que o entendamos hoje, cegos como estamos a qualquer cousa que nom for o nosso entramado tecnológico.

Cruzul, a massa de azinheiras melhor conservada do norte peninsular

Galiza cálida e caliça

Em Rubiá de Valdeorras a chuva é infrequente. É a zona mais seca da Galiza, com menos de 600 litros/m2 anuais, e os veraos acadam a calidez de todo o suroeste. O clima, somado a terras calcáreas, deu lugar a umha serra muito especial, a Encinha da Lastra, furada por curiosas ‘palas’ (nome com que se denominam as covas na comarca). Segundo dados do web Gciaciencia, é o Parque Natural menos visitado do país: em 2017, nom o visitárom nem 2000 pessoas. Terra de azinheirais, ali topamos alguns dos exemplares mais velhos da Galiza, como a azinheira de Covas, com 500 anos de vida; mui perto, no Berzo, há árvores desta espécie igualmente senlheiras, como o célebre ‘Xardom de Perouchim’, em Vila de Caes.

Ao norte, e aproveitando-se das estibaçons dos Ancares, Cruzul é o azinheiral por excelência da Galiza. Em nenhum ponto tam ao norte da Península Ibérica se dá umha concentraçom tam alta de exemplares. A orientaçom ao sul, protegido das giadas, o solo caliço e umha forte pendente que escorrega a água das raizes permite o seu florescimento. Junto com o vizinho souto de Agüeira, fai parte da Zona de Especial Protecçom As Nogais-Becerreá. A sua conservaçom é boa, quase nom tem caminhos que o cruzam, e por enquanto nom aturou grandes massas de visitantes.

Micro-climas diversos, relevos cambiantes, rias férteis, mil rios, entrecruzamento eurosiberiano e mediterráneo de fauna e flora; encontro, também da cultura céltica e latina no sul da Europa. A azinheira é um dos múltiplos exemplos deste encontro natural e cultural tam fértil que séculos de auto-ódio tentárom soterrar. Por fortuna, infrutuosamente.