A economia dos dados está a afectar directamente o funcionamento da própria imprensa comercial. Ao longo da última década, a forma de gerir a informaçom e condicionar massivamente as condutas só pode entender-se desde a lógica do algoritmo e sofisticados processos de automatizaçom que predizem, e a um tempo modulam, os comportamentos sociais. Os fins som económicos e eleitorais, e a imprensa espanhola já entrou de cheio numha dinámica que tem nos Estados Unidos o seu controlo de mandos.

A crise global de 2008 golpeou duramente o jornalismo empresarial. A míngua das finanças públicas enfraqueceu a sua rede de apoio; a digitalizaçom fundiu as vendas em papel; e as redes sociais, utilizadas como canal de informaçom alternativo, fixérom ainda mais grave o descrédito da imprensa. Apenas no Estado espanhol, a crise liquidara 12000 empregos jornalísticos. De facto, o 80% dos despedimentos neste grémio de toda a Uniom Europeia aconteceram no Reino de Espanha.

Desde meados desta década, os grandes cabeçalhos espanhóis discutiram o que fazer para sair deste aparente beco sem saída. Por palavras de Ekaitz Cancela, crítico especializado na economia do big data e jornalista de El Salto: ‘(Os burgueses da imprensa espanhola) nom possuiam capital abondo para inovarem por si mesmos, pois a crise financeira, deixara-os sem liquidez ou endividados até o miolo (…) alguém devia lançar-lhe um salvavidas.’

E o salvavidas chegou de além mar. Desde 2015 a 2018, Google achegou mais de 115 milhons de euros a mais de 559 projectos em 30 Estados da Uniom Europeia. Através da entidade ‘Digital News Innovation Fund’, a transnacional tecnológica procura reciclar assalariados no jornalismo para se adaptarem ‘à gestom de conteúdos digitais’. O financiamento vem em troca de ‘propostas criativas’ e, obviamente, tem umha contrapartida. O gigante empresarial fornece programas de seu, e em troca os meios envolvidos brindam o perfil completo da sua comunidade leitora à companhia de Silicon Valley. A crise de vendas e o certo anquilosamento tecnoógico da imprensa espanhola superam-se acelerando ‘a grande aspiradora de dados globais que nos atrapa a todos’, por palavras do jornalista experto em tecnologia E. Morozov.

Assessoramento e intervençom

Os exemplos de dependência norteamericana acumulam-se, recebem um tratamento discreto (ou som directamente silenciados) na imprensa comercial, mas jornalistas críticos como o citado Ekaitz Cancela deitam luz sobre a questom. Entre os subsidiados por Google encontram-se alguns cabeçalhos do Grupo Zeta, como El Periódico de Catalunya, e também jornais galego-espanhóis como La Voz de Galicia. A partir desta aliança, Google chega a perfis de leitores tremendamente específicos, relacionados com conteúdos locais, a partir dos quais pode conhecer faixas de mercado ainda inexploradas comercialmente.

Como nom podia ser de outro modo, Google também ofereceu os seus serviços aos grandes referentes da imprensa do Regime no Estado. No caso de ‘La Vanguardia’, ofereceu o programa ‘Smart Pages’, que configura instantaneamente o web no que entra o cibernauta, trás elaborar um certo perfil de navegaçom. Seguindo este procedimento, afina-se a capacidade de condicioná-lo publicitariamente, e oferece-se um relato político acorde com as suas preferências. Semelhantes pautas fôrom oferecidas ao ‘El Mundo’ através do programa ‘Content Inteligence’, encarregado de analisar e moldear as notícias que melhor funcionam no mercado mediático da direita extrema, perfeiçoando a sua eficácia. Google News Lab, um departamento da companhia especializado no ámbito mediático, também imparte já mestrados de formaçom para este potente cabeçalho da direita.

Casimiro García Abadillo, ex-membro de ‘El Mundo’ e hoje na direcçom de ‘El Independiente’, tem declarado publicamente a sua defesa do mercado dos dados. Aposta porque programas de gestom de dados cobrem personalizadamente a cada consumidor de imprensa, em relaçom do seu ‘investimento tempo’ no jornal. Na realidade, a proposta de economia do big data ultrapassa tendências políticas e institucionais. Google forneceu aliás ferramentas ao grupo PRISA, e influiu com força em todos os segmentos da esquerda tolerada. PRISA utiliza o chamado Safety Experience Engine. No caso de el Diario.es, o reformismo precisou para ganhar espaço social o programa BrainHub, que se define ‘como um sistema de inteligência para meios independentes’, ou a aplicaçom ‘Leave Your Mark’. Numha linguagem na que o jornalismo já se confunde com o puro marketing empresarial, o cabeçalho defende este programa como chave dum ‘ecossistema inclusivo, gratificante e integrador, que permite a interacçom do público com a sala de imprensa’. Com esta linguagem melosa, pretende-se que as seguidoras da esquerda capitalista abram mais e mais a sua intimidade à recolecçom de dados dos programas da companhia. Programas que, com outro nome e formato, também maneja o diário Público, usuário do Transparent Journalism Tool.

Casimiro García Abadillo, ex-jornalista de El Mundo favorável à exploraçom de dados do público leitor na venda de imprensa. Imagem: esacademic.com

A partir do estudo das preferências dos leitores descobrem-se as suas orientaçons consumistas em ámbitos como o turismo, a cultura ou as compras on line. A associaçom entre hábitos de consumo e comportamentos eleitorais está mais do que sistematizada pola nova economia digital, e deu lugar a campanhas de micro targeting como a que levou Trump à presidência dos USA. Trata-se dumha verdade a gritos que ninguém oculta, nem tam sequer mandos do capitalismo mediático como David Alandete, um dos quadros dirigentes de ‘El País’: ‘o reino do algoritmo, dos automatismos e da falta de jornalismo abrem o caminho à posverdade, um neologismo escolhido polo dicionário Oxford como palavra de 2016, o ano do auge do populismo’.

Facebook também presente

O outro gigante de Silicon Valley tampouco ignora o Reino de Espanha e as suas possibilidades de negócio. Em 2017, ingressou nele em publicidade até 200 milhons de dólares. Segundo um estudo da Universidade de Oxford, Espanha é um dos 56 estados onde Facebook colaborou em campanhas de manipulaçom política em redes sociais, valendo-se das suas ‘cyber troops’ ou algoritmos. Através da sua divisom Facebook Journalism Project, ofertou bolsas para estudantes com o fim de promover umha alegada ‘diversidade no jornalismo’. O cabeçalho El País assinou aliás um convénio com a empresa, promocionando, através da ‘amizade’ com a firma de PRISA, a inserçom de dados em Facebook.

Economia da atençom e regressom política

Como tem analisado a especialista na rede Marta Peirano, o sucesso de todas estas estratégias passam pola híper-conectividade. Numha espécie de vampirismo contemporáneo, quantas mais horas estivermos ligados a dispositivos da informaçom, maior parte da nossa personalidade, em forma de informaçom, se porá a diposiçom destes novos colossos capitalistas. Para garantir a nossa disponibilidade, o mais escolhido da neurociência actual pujo-se ao serviço das empresas e serviu para desenhar gadgets aditivos, baseados no ‘event frequency’. Impacto frente reflexom, pressa frente vagar, notoriedade frente anonimato, emoçom frente racionalidade.

Marta Peirano, jornalista espanhola que se tem destacado por escrever sobre RRSS, big data e o que ela chamou a economia da atençom. Paradoxalmente foi responsável de cultura do jornal eldiario.es, que nom escapa ao uso da tecnologia fornecida por grandes empresas

Da mesma maneira que o uso planificado e inteligente da rádio, lembra Peirano, serviu na década de 30 ao ascenso de alternativas regressivas como o nazismo, a aliança entre autoritarismo e gigantes tecnológicos explica em parte o boom dos fenómenos Bolsonaro, Salvini, Trump ou Vox.

No extremo contrário, a batalha nascente polos direitos digitais, pola privacidade na rede, ou polo uso nom comercial do conhecimento, apresenta-se como umha das frentes centrais da esquerda que der batalha neste século que andamos.