(Paço de Sam Mauro, recentemente comprado polo Grupo Varma /Imagem: myguidegalicia.com)

Na jeira da vendima, é oportuno reflectir sobre o presente dum subsector tam transcendental para o nosso agro como a viticultura. Por volta do vinho floresceu umha parte importante da cultura galega, quanto menos, desde os tempos medievais da revoluçom monacal; e a dedicaçom profissionalizada à vinha possibilitou o progresso de muitas das nossas comarcas, sobretodo no sul. Hoje, o sector enfrenta a aceleraçom da tendência ao monopólio e à desgaleguizaçom, como denúncia o sindicalismo agrário menos submisso.

A economia do vinho tem sido estudada a fundo pola historiografia agrária galega. Sabemos que desde umha data tam temperá como o século IX, algumhas bisbarras do país exportam os seus vinhos ao norte e sul da Europa. Produtos galegos chegavam aos portos de Inglaterra, Flandes ou a Itália. Mais um dado que confirma a internacionalidade das relaçons do nosso país, especialmente vivas nos tempos prévios ao submetimento castelhano. A transcendência mercantil do nosso vinho continua até o século XVII; nesta centúria, as exportaçons à Inglaterra curtam-se, o que provoca umha crise severa em zonas como o Ribeiro. Algumhas pesquisas dim que, com motivo deste bloqueio imposto pola política internacional espanhola, muitos galegos marcham ao Douro português, onde contribuem para a extensom do vinhedo.

O vinho, chave para entender historicamente a cultura galega (Imagem: Galicia en vinos)

O sector vinícola galego superou importantes crises a finais do século XIX, como a filoxera, e encetando a modernizaçom (reorganizaçom dos cultivos, novos adubos e pesticidas, mecanizaçom, exportaçom a América) sobrevive à entrada do nosso país no mercado, mantendo porém a pequena exploraçom. Assim continuou também um viçoso comércio interior galego, que ligou a sorte de várias comarcas. Actualizando rotas medievais, o Ribeiro intensificou os seus vencelhos com a área mais ampla de Compostela, enquanto a Ribeira Sacra o fazia com Lugo.

O modelo produtivista do século XX pareceu matizar-se a primeiros deste século quando as instituiçons e o sector apostárom na recuperaçom das variedades autóctones. O modelo parecia satisfazer duas demandas muito distintas: a dos produtores, e galegas em geral, desejosos de manter umha terra viva e uns valores culturais de seu; e a dos grandes capitalistas que sabem que, na globalizaçom selvagem, a única opçom de abrir nichos de mercado é inventar ‘países-marca’ diferentes do resto. De feito, entre as poucas avantagens que podemos topar neste modelo empresarial singularizador está um aumento importante do uso do galego nas campanhas promocionais. Nas etiquetagens do vinho, o uso do idioma medrou um 1400% desde 2003, segundo a associaçom Galeguizar Galicia.

Entre estas duas concepçons, umha fundamentada na aliança cooperativa dos pequenos, outra na concentraçom de propriedade com apoio privilégio do poder, está a desenvolver-se umha contradiçom na que vam vencendo os mais grandes.

Imagem: ocoladodovento.blogspot.com

Boa saúde aparente

De botarmos umha rápida olhadela aos puros dados do sector do vinho, a situaçom nom se pode considerar crítica. Ainda sendo um mundo avelhentado, as comarcas vitícolas nem de longe acadam a decadência económica e demográfica de outras bisbarras dedicadas à produçom agrária. Na actualidade, e sem contarmos com os dados da Galiza oriental, perto de 17000 pessoas vivem directamente do cultivo da vinha. As vinhas cobrem 10000 hectares da nossa terra, e funcionam a pleno rendimento mais de 400 adegas, repartidas em cinco denominaçons de origem. Junto com o têxtil, a naval ou o automóbil, o do vinho é um dos grandes sectores exportadores da economia galega (e lembremos que nos índices oficiais nom se contabiliza como exportaçom o envio de produto a Espanha). Estima-se que umha de cada quatro garrafas de vinho galego tem como destino outros pontos da Europa, ou até América.

O minifúndio, a variedade bioclimática galega (com amplas zonas mediterráneas húmidas), a riqueza dos solos e umha sabedoria produtiva milenar, colocam o sector umha posiçom de privilégio. Porém, os traços gerais e as cifras brutas pouco dizem da batalha que se livra desde há anos. Umha batalha que tem a ver com o reparto de suculentas subvençons, permissos estatais ao cultivo, e apoios políticos a capitalistas foráneos. Mesmo um sindicato cercano historicamente ao PSOE, Unions Agrárias, advertia do perigo que corria o sector, nomeadamente os produtores mais humildes, de se continuarem a autorizar novas plantaçons de vinha. Em 2016, umha nota de imprensa da entidade dizia que ‘o modelo produtivo galego mantém o seu peso específico e os seus amplos estándares graças a pequenas exploraçons’. A autorizaçom de enormes zonas de cultivo em maos de grandes empresários faria cair os preços e a qualidade do vinho, afimava-se.

Governinho, com os grandes

Os sindicatos agrários nacionalistas –FRUGA e SLG– chamavam a antençom a primeiros de ano sobre as ajudas autonómicas à ‘reestruturaçom do sector’ nos anos 2017 e 2018. Mais que medidas correctoras e de reequilíbrio entre grandes e pequenos, as conexons empresariais na administraçom possibilitam ir cara umha concentraçom de propriedades sem matizes. Os cinco primeiros beneficiários recebiam, segundo a análise sindical, o 43% das ajudas. E o 16% desse volume ia destinado a conglomerados empresariais espanhóis que compram já vinhas na Galiza. Nos dous primeiros postos do ranking de ajudas aparecem dous gigantes do sector, ambas foráneas: Ramón Bilbao, que possui a Adega Mar de Frades, e CVNE (Compañía Vinícola del Norte de España), com umha posiçom muito forte na Denominaçom de Origem de Valdeorras.

A adega valdeorresa Virgen del Galir foi comprada pola espanhola CAVE em 2017 (Imagem: economiaengalicia.com)

Numha exaustiva reportagem publicada no vozeiro Fouce (‘Jogando ao monopoly coa viticultura galega’) o Sindicato Labrego Galego relatava o curso dos acontecimentos recentes, e deitava luz sobre os homens e as firmas dominantes no mundo vitivinícola. No ano 1988, segundo as informaçons sindicais, umha companhia espanhola desembarcava pola vez primeira no sector; desde aquele ano, as compras nom parárom de medrar, dirigidas por um variopinto conglomerado empresarial no que figuram proprietários da moda, directores de cinema ou dirigentes de clubes de futebol. Ao contrário que o resto do mundo rural galego, desprestigiado pola lenda negra das profissons duras e sujas, o vinho ligou-se nos últimos tempos com a ideologia do consumo de luxo burguês, a distinçom e o alto estatus. No passado verao, era a adega Pago de Carraovejas, de Ribera del Duero, mercava no Ribeiro as adegas de Vinha Mein e Emilio Rojo.

Latifúndiários e labregos

O processo de concentraçom de propriedade fai-se hoje por compras: o SLG denuncia que o negócio da compra de monte por baixo preço (1 euro a hectare) permite as empresas vitivinícolas conseguir amplas parcelas; umha vez que o monte está dedicado a vinha, o seu preço multiplica-se por 20, o que permite operaçons especulativas a partir da revalorizaçom.

O rendível negócio do vinho atraiu alguns nomes senlheiros da burguesia galego-espanhola, que se vírom envoltos em irregularidades notáveis. Horacio Gómez, ex-presidente do Celta, enriquecido com instalaçom e gestom de gasolineiras e proprietário de Fonte Celta, foi um dos primeiros em procurar o lucro no agro. Fundou a empresa HGA Bodegas y Viñedos de Altura, denunciada por fomentar requalificaçons de terreno para a acumulaçom de grandes extensons. De feito, o seu filho, David Gómez, foi condenado a multa e prisom (na que nom ingressou) por operaçons de compra irregular em Tominho.

Também o actual presidente do Celta, Carlos Mouriño, tem incluído o vinho na diversificaçom do seu negócio. Este empresário da energia e a aeronáutica comprou recentemente a Adega Boo Ribeiro. A sua empresa, Grandes Pagos Gallegos de Viticultura Tradicional, tem investimentos em adegas como Turónia, Fraga do Corvo ou Paço Canoura.

Som dous nomes entre vários nomes nativos, como o de Emilio Ucha, pontevedrês que prospera entre a Galiza, Catalunha, e Sudamérica. Mas para além de tratar-se dumha burguesia sem vinculaçom algumha com a ideia de país, corre o perigo de ficar à sombra de poderosos grupos foráneos no vinho galego: González Byass (Jerez), Bodegas Torres (Catalunha), Grupo Varma (Rioja), Masaveu (Astúries) ou Vicente Dalmau (da aristocracia madrilena) tenhem copado já fortes posiçons no nosso agro.

2030, perigo no horizonte

Há nove meses, A Associaçom Galega de Viticultura-FRUGA convocava representantes do sector no Paço de Congressos de Ponte Vedra. O motivo, desenhar colectivamente umha estratégia que respostar aos retos de 2030. A reforma prevista na PAC visa a liberalizaçom do sector, e a modificaçom a fundo do regulamento 1308/2013. Tecnocratas da UE anunciam que a pretensom é a aposta pola maior concorrência num mercado muito mais agressivo. Pois enquanto no mundo aumenta o consumo de vinho (mesmo em países nom produtivos, como o Canadá), irrompem grandes produtores, como a Sudáfrica, Chile ou Nova Zelanda. Longe de qualquer ideia de soberania alimentar, e focando o futuro do vinho galego e europeu como competidor no mundo, a UE apostará por produçons híbridas. As castes autóctones poderám recuar ante tipos mais produtivos, e esta mudança fará-se num quadro liberalizador. Procura-se que a administraçom nom regule novas plantaçons. As consequências, para a FRUGA, seriam claras: ‘permitirám-se investimentos especulativos em grandes plantaçons com modelos produtivos alheios.’

Carlos Mouriño, mais um dos magnates do futebol que investe no mercado vitivinícola (Imagem: eldesmarque.com)

Na imprensa comercial, um dos vozeiros do pensamento único económico, Patricio Sánchez, escrevia sobre o futuro vitícola em nome do Foro Económico de Galicia. Para sobreviver ao embate dos vinhos globalizados, afirma, ‘cumpre umha internacionalizaçom urgente. (…) Todo o que supuger limitar-se ao interior das nossas fronteiras está chamado a ficar a médio caminho, quando nom ao fracasso.’ O autor ignora a volubilidade económica e a desfeita ambiental que supom umha produçom orientada ao oscilante mercado mundial, e arremete também contra umha das bestas negras dos economistas modernizadores na Galiza: ‘o minifúndio é o mal endémico do rural galego’. Desde que só umha extensom de média hectare permite autorizaçons para plantar novo vinhedo, Sánchez exige a ampliaçom do tamanho médio e, implicitamente, chama porque grandes proprietários com capital abondo monopolizem o que hoje é pequena propriedade invidual repartida com relativo igualitarismo. Concentrar, estrangeirizar, maquinizar, exportar. Eis a receita mágica espanhola e neoliberal para um agro em crise.