Aqui ganha quem está disposto a sofrer mais’, diz um conhecido personagem em notícia de imprensa; nom é um militante fanatizado nem um siareiro dumha secta religiosa, senom Javier Gómez Noia, várias vezes campeom mundial de triatlo; ‘ti nunca podes vencer a quem jamais se rende’; nom se trata dumha frase de Napoleom (ainda que se parece a umha cita clássica do militar), senom a legenda que encabeça a porta de entrada dumha cadeia conhecida de ginásios ofertados ao grande público; ‘trás um mês sem dormir, com a tensom alta, encamada e baixo supervisom médica, decidim-me a fazer a prova e superei-na’; neste caso fala umha opositora que quijo examinar-se nos quirófanos de urgências do hospital de Corunha, e que a piques estivo de dar a luz no momento de afrontar o test. ‘Adiquei-me mais à oposiçom do que ao embaraço’, continua a protagonista desta estória que valora tanto o esforço quanto esta outra opositora que apareceu nos cabeçalhos: ‘estudava a oposiçom, trabalhava e tivem umha cativa. Até me caiu o cavelo polos nervos, mas valeu a pena’, conclui.

Se dermos um salto do espaço galego, secularmente tolheito pola emigraçom massiva, a precariedade e a procura do emprego estatal, ao espaço mais amplo que chamamos occidente, a devoçom foca-se à utopia do emprendedor; ao triunfo na lei da selva do mercado com as únicas ferramentas da determinaçom e a coragem: ‘Miracle Morning’, o livro inspirador de milhares de pessoas que entendêrom que acordando cada dia às 5,30 da manhá, vencendo a nugalha, estarás pronto para afrontar os mais difíceis desafios.’ Os exemplos povoam a internet, quase até o ponto de virarem lugares comuns do nosso século, e inspiram os ámbitos mais diversos da existência: obviamente o trabalho e a empresa, mas também o desporto, os estudos, ou a superaçom das crises psicológicas.

A felicidade, de saldo

Umha reflexom mais bem superficial diz, pola contra, que o nosso tempo é, no capitalismo opulento, o do hedonismo inegociável. Nom entrárom em crise a cultura do esforço e a planificaçom no longo prazo? Nom vivemos a época dos ‘ninis’ e do fim das lealdades? Toni Negri, um intelectual esquerdista renovador que agiu como disolvente da velha tradiçom revolucionária, apregoara precisamente que os novos movimentos transformadores deviam abraçar o lúdico e rachar com o modelo ‘do militante disciplinado e triste da III Internacional’. E entre nós, todas as tentativas liquidacionistas no independentismo cultivárom este pensamento: esvaeceu-se a vivência da entrega, a liquidez social veu para ficar, e mais nos valera pensar em compromissos laxos e ofertas sedutoras que prometam o máximo pedindo o mínimo.

Esta inclinaçom apoia-se numha verdade parcial: o capitalismo enfraqueceu enormemente as instituiçons mais clássicas da nossa sociedade: a família e o trabalho, a vizinhança e a religiom organizada, o sindicato, a associaçom e o partido. As relaçons fôrom-se volatilizando, e a contrapartida que enfrenta este indivíduo livre de ataduras vem em forma de dúvida, incerteza transformada em relaçons de ofensa com os seus iguais, vertigem por falta de pertença. Nas livrarias, a literatura revolucionária que inçava os andeis foi substituída polos livros de auto-ajuda: a salvaçom será, doravante, individual; mormente alheia a preocupaçons éticas; e brotará dumha personalidade flotante, um pouco ébria, que nada sabe de paixons, de amores fortes nem tampouco de grandes decepçons. ‘Ser feliz em Alaska’ intitula-se um outro best-seller desta corrente, que nos indica como permanecer calmos e sorrintes mesmo se somos explorados, denigrados, e vivemos sozinhos, sem dar alcançado os espaços da amizade, o contacto verdadeiro ou as relaçons fraternas.

Desde tempos imemoriais, houvo saberes dedicados à edificaçom de personalidades serenas e autosuficientes, mas tratava-se dumha literatura elaboradíssima e quase mística, destinada à forja de personalidades extraordinárias e ao alcanço dos níveis mais altos da consciência. Os seguidores de Marco Aurélio, com sinceridade, reconheciam que ‘nunca o estoico alcança totalmente o estoicismo’; os místicos orientais afirmavam que ‘conseguir a iluminaçom é mais difícil que caminhar polo gume dumha faca’. E Lucrécio, um dos grandes pensadores materialistas e também estoico, rematou no suicídio, ao que parece por umha crise amorosa. Só umha civilizaçom como a nossa, mercantil, falsária e obsessionada pola difusom rápida a qualquer preço, pode vender como remédio-para-todo umha simplificaçom tam grande e abusiva.

Esquecer o esforço?

No ámbito pessoal, a assunçom dumha felicidade plana rematará provavelmente no desencanto: o paraíso nom existe, e o bom sempre está entretecido com o mau e até o terrível.

A do felicismo é umha oferta de circunstáncias, pobre e barateira, e o seu alcanço vai ser provavelmente curto. Serve como produto de quiosque, relaxante passageiro de tensons para umha populaçom confundida. Muitíssimas outras pessoas demandam outra dimensom da experiência e, por riba do resto, aquelas envolvidas em dinámicas de luita e concorrência, inconformistas e desejosas de grandes logros. Sem ir muito mais longe, os nossos próprios inimigos. Há uns anos, o pensador Santiago Alba chamou a atençom sobre um fenómeno mui desatendido: com certa ironia, falou dum ‘novo guevarismo’ protagonizado por indivíduos altamente qualificados, capazes de racharem com o seu território e com a sua família, solventes para lidarem com níveis altíssimos de tensons e sobreviverem ao ‘burnout’, reciclando-se em novos entornos e respostando a demandas novas e cada vez mais complexas. Desta volta nom se trata, porém, de esquerdistas, senom dos quadros médios e altos do capitalismo globalizado. Sem reflexom ética nem norte colectivo reproduzem, como numha caricatura, o velho modelo do revolucionário profissional a espalhar o seu ideário nos quatro confins do Globo. O mesmo código está presente em altos burocratas estatais, pensadores estratégicos e criadores de opiniom, dirigência militar e policial.

Qualquer coincidência com estas esferas produz arrepios na sensibilidade progressista. Porém, questons tam profundas como esta exigem discernir com grande precisom. Até mesmo numha das críticas mais sistemáticas à ideologia da ‘resiliência’ neoliberal (‘La vida real en tiempos de la felicidad’, Pérez, Sánchez e Cabanas), os estudiosos chamam a nom tomar com desdém todo o que se nos propom desde a bancada contrária. As ferramentas psicológicas que permitem enfrentar o desgaste da concorrência capitalista som as mesmas que se utilizam em profissons altruístas: bombeiros, enfermeiras, pessoal médico em geral, para dar respostado aos retos do trabalho. E se a filosofia do esforço alimentou historicamente os tiranos, os ególatras e os exploradores, também foi vieiro para os desempenhos mais nobres da nossa espécie: a arte, a filosofia, a ciência, a navegaçom ultramarinha…e obviamente, também a política.

Neste ponto compreende-se melhor a conhecida reflexom de Castelao na que identifica o verdadeiro heroísmo como ‘a capacidade de virar os sonhos em realidades e as ideias em feitos.’ Ou o desespero de Vicente Risco quando se viu ante o reto de dar forma real às suas propostas: ‘faltam-nos as virtudes germánicas’, dizia desesperado a Losada Diéguez este ideólogo, o modelo de pessoa brilhante e inútil que até dia de hoje tantas vezes fijo recuar o galeguismo. Em muitas jeiras históricas e em muitas latitudes, a esquerda consentiu que ideias preciosas rematassem como património da direita: o patriotismo, a arte pola arte, ou a dimensom espiritual da vida. Os resultados som-nos conhecidos, e o movimento revolucionário resultou mais pobre e isolado. Nestes tempos tam incertos, em que a solidez psicológica se tem provado recurso elemental de subsistência, estamos perto do mesmo erro se desprezamos os chamados à entrega e à virtude: ‘a juventude está faminta de carregar nos seus ombros com umha missom e enfrentar assi com a cabeça alta todas as dificuldades que lhe coloque a vida’ diz Jordan Peterson, um dos ideólogos reaccionários mais agressivos, um dialéctico hábil que mobiliza centos milhares de pessoas na rede com umha mestura de ideário anticolectivista e chamados entusiastas a ‘abandonar o rol da vítima.’

O esforço dignifica, e a entrega nom resulta estranha ao nosso povo. Alguns observadores agudos tenhem reparado nisso, exponhendo-o com grande claridade. Óliver Laxe, o aclamado cineasta que reflecte no seu último filme sobre o fim do rural galego, comentava há pouco em entrevista de imprensa a gratificaçom que supunha trabalhar com gente das aldeias: ‘gente do campo, que tem incorporada a palavra sacrifício como gesto normal (…) entendemos que a vida tem que ser dura. Se nom há dor, nom há prémio. Eis as regras do mundo e da natureza.’ Entre toda a chuva de tópicos antigalegos difundidos nos últimos trescentos anos, nunca ninguém puido negar que somos umha terra de gentes laboriosas e tenazes. Por isso somar as paixons individuais a umha causa colectiva, difícil e nobre, daria lugar a cenários tam prometedores. Pode multiplicar as nossas forças até limites que nem sequer imaginamos.