O baile, a dança e a música som três das criaçons artísticas vivas mais importantes da cultura galega. Prova disto é que, ao contrário doutros países do contexto europeu, a nossa música e baile nom ficariam unicamente confinados ao âmbito espetacular da recriaçom cultural burguesa de carácter tradicionalista. Assim o reconhece, com um sorriso na boca, uma das assistentes às jornadas organizadas polo Museu do Povo Galego: A voltas com o baile. O baile tradicional, um património do S. XXI?.

No ano passado fum com Cantigas e Agarimos ao festival de An Oriant, na Bretanha. Depois de fazermos o nosso espetáculo fomos comer e beber algo e acabamos, como de costume, bailando e tocando novamente. Os músicos doutros países perguntavam: o que estám a fazer? Nom acabaram o seu espetáculo? Nom entendiam que a nossa maneira de festejar ainda está viva fora dos cenários.

Som as dez da manhá dum sábado solheiro e na sala de atos do Museu encontram-se por volta de sessenta pessoas interessadas na iniciativa impulsionada em 2013 polo coletivo XOC, plataforma formada polas associaçons Xacarandaina (Corunha), O Fiadeiro (Vigo) e Cantigas e Agarimos (Santiago) de que baile e dança tradicionais galegas sejam declaradas Património Cultural Imaterial da Humanidade por parte da UNESCO. Para atingirem este objetivo, no 26 de abril de 2018 foi publicada no D.O.G. a resoluçom da Direçom Geral de Património Cultural pola que se iniciava um procedimento administrativo para declarar o baile tradicional galego como bem de interesse cultural.

Nos últimos tempos, o texto da resoluçom tem avivado o debate dentro deste âmbito cultural no que di respeito a questons relacionadas com a transmissom de aspetos ligados à tradiçom que no caso do baile vai das consideraçons técnicas, às medidas de divulgaçom e à representaçom cénica, assim como o questionamento dos roles de género. Com o alvo de esclarecerem conceitos e contribuírem construtivamente para o enriquecimento do debate, intervieram várias profissionais, fornecendo ao público um saber poligráfico, desde a etnomusicologia, o jornalismo e a antropologia, entre outros campos.

Motivos válidos para a alegaçom do expediente

Rebeca Ces, co-redatora duma das 55 alegaçons apresentadas ao expediente e especializada nos campos da comunicaçom e do património cultural começou sua palestra esclarecendo aqueles conceitos pouco rigorosos ou confusos do documento por causa da ausência de especialistas na elaboraçom do mesmo. Por exemplo, a existência duma visom folclorista associada ao passado do baile que nom corresponde ao carácter vivo e adaptado aos tempos próprio do património cultural imaterial e alertando também da possível incerteza ao equiparar o baile tradicional ao baile como espetáculo, assinalando as seguintes diferenças estudadas pola Associaçom Galega de Antropologia:

BAILE TRADICIONAL

Lúdico

Participativo

Expressom popular

Espontâneo

Improvisado

Flexível

Contextual

Aberto

Criaçom coletiva

BAILE ESPETÁCULO

Formal

Contemplativo

Organizaçom externa

Dirigido e organizado

Pautado

Rígido

Isolado do contexto

Grupo fechado

Criaçom individual

A seguir, indicou a necessidade de levar em consideraçom as primeiras portadoras/es e a conveniência de acrescentar a música tradicional como conjunto identitário indivisível, que dizer, como “facto social total”. Por último, criticou a existência de conceitos sem base científica e essencialistas (“autêntico”, “puro” ou “real”) e a perpetuaçom dos roles de género ao descrever as parelhas formadas por homem e mulher, os puntos iniciados por homens e as referencias aos músicos em masculino. Segundo a autora, trata-se duma limitaçom às possibilidades que tenhem a música e o baile galego como ferramenta de coesom social que caminha com os tempos em favor da igualdade.

A complexa rede do património cultural imaterial

Posteriormente intervéu a Prof. Doutora Guadalupe Jiménez, do Departamento de Filosofia e Antropologia da Universidade de Santiago de Compostela. Principiou a palestra refletindo sobre a genealogia do conceito “património imaterial” que nasceria com a Convençom para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial de 2003, da UNESCO para corrigir os desequilíbrios norte-sul causados polo colonialismo europeu. Realizar-se-ia um reconhecimento das manifestaçons próprias da cultural popular, tradicional, indígena, subordinada e periférica. Segundo a convençom indicada entende-se por património cultural imaterial:

As práticas, representaçons, expressons, conhecimentos e competências – bem como os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes estám associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos reconhecem como fazendo parte do seu património cultural. Este património cultural imaterial, transmitido de geraçom em geraçom, é constantemente recriado polas comunidades e grupos em funçom do seu meio envolvente, da sua interacçom com a natureza e da sua história, e confere-lhes um sentido de identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o respeito da diversidade cultural e a criatividade humana.

Desta profunda definiçom tirou interessantes conclusons a respeito da dança (carácter ritual) e baile (carácter festivo) galego. A primeira seria a índole processual, dinâmica e viva destas manifestaçons culturais que nom se poderiam definir, portanto, como um produto acabado do passado; em segundo lugar, a interdependência do intangível e tangível e a dificuldade de classificaçom como: “espetáculo”, “ritual”, ”ato festivo”, “artesanato”, etc. e, para acabar, apontando a importância do papel democratizador deste processo em que o povo galego deveria reconhecer e definir seu património, nom apenas técnicos ou expertos em antropologia cultural. Também convidou às assistentes a conhecerem e se mergulharem na intricada rede do património cultural imaterial universal da UNESCO.

Valores associados: intergeracionalidade e recuperaçom da língua

A etnomusicologista Xulia Feixoo manifestou sua opiniom em relaçom ao limites que oferece a música clássica para a análise da música tradicional galega, que também deveria fazer parte do património cultural imaterial. Destacou o significativo papel da literatura de tradiçom oral em língua galega como ferramenta de empoderamento coletivo no atual processo de substituiçom linguística. Igualmente, enumerou os valores educativos associados ao baile e à dança, como o seu carácter intergeracional, diverso e participativo.

O traje galego e a sua construçom histórica

A jornada prosseguiu com a palestra de Belén Sáenz-Chas, responsável da coleçom do Museu do Povo Galego e especialista em indumentária tradicional. Começou sua conferência com a pergunta retórica: “É o traje galego indispensável para bailar?”. “A verdade é que nunca o foi em contextos naturais”, respondeu. “O pessoal bailava com a roupa que tinha”.

A construçom estética que se levou historicamente aos cenários, segundo a pesquisadora, teria sua origem no final do S.XIX, quando as mulheres burguesas adotaram o cânone estético próprio do folclorismo idealizado que mitificava as tradiçons populares camponesas, como o caso das mulheres palhesas na Catalunya. Os convencionalismos patriarcais que projetavam o arquétipo duma mulher angelical, frágil e submissa refletir-se-iam na sua vestimenta: cintura estreita e ancas largas, e na consequente limitaçom física para o movimento livre.

Museu do Povo Galego

A uniom do movimento cultural fai a força

A jornada acabou com o desejo de que todas as forças vivas pola defesa, valorizaçom e divulgaçom do baile, da dança e da música galega contribuam para o fortalecimento do nosso património cultural imaterial, tendo como princípios o diálogo e a convergência em objetivos comuns que permitam de novo projetar universalmente aquilo que nos define particularmente como povo diferenciado. Enquanto isso está a acontecer, os torreiros de todo o país continuam a levantar a poeirada duma cultura latejante, feminista e crítica, colocando em causa o patriarcado heteronormativo, o ócio consumista e o assimilacionismo cultural.