Nas últimas décadas, um novo discurso do espaço público foi-se abrindo passo entre a casta política, os meios empresariais e umha boa parte da populaçom : a defesa de ruas impolutas, focadas para o turismo e o negócio, alheias a qualquer desigualdade ou conflito social, e parecidas com os postais de promoçom da ‘cidade-marca’. A proposta, umha verdadeira elaboraçom neoliberal do espaço como negócio, deixou fora das ruas os sectores mais desfavorecidos, os esmolantes, as prostitutas e, obviamente, também a arte nom mercantil e o protesto político. As pintadas, ferramenta clássica de expressom do povo organizado, punem-se com dureza crescente.

A Junta propagandeia, através da sua imprensa obediente, umha dura bateria legislativa contra as pessoas que ‘danam o património’ através de ‘actos vandálicos e grafitis’. Complementando as medidas de controlo milimétrico do espaço inaugurado polas conhecidas ‘ordenanças municipais de meio ambiente urbano’, o governo autonómico modifica até três leis para endurecer as sançons.

A Lei Mordaça já contemplava umha sançom específica a quem usasse as paredes da rua para a criatividade ou o protesto político -sem que utilizar portas ou muros de obra, solares abandonados ou paredes de betom fosse eximente. Agora corresponde a concelhos e autonomia especificar a sançom, que vai de 100 a 600 euros. Dando mais umha volta de porca, a Junta inclui medidas sancionadoras na Lei do Solo, que neste ano endurecerá a pena em casos de ‘reincidência’ : até 6000 euros podem ser aplicados neste caso contra a pessoa infractora.

Ainda, a legislaçom autonómica contempla a possibilidade de multas de até 15000 euros por pintadas ou incisons em ‘bens declarados e catalogados de interesse cultural.’

Finalmente, a própria Lei de Estradas regulará também a repressom neste campo, punindo qualquer pintada em espaços de circulaçom e segurança vial, com multas que ascenderiam até 10000 euros. Nesta categoria apareceriam sancionadas pintadas tam clássicas do movimento galego como as que se dedicam a galeguizar topónimos deturpados, habituais em sinalizaçons variadas.

Defesa do património ?

A linha argumental seguida neste caso -salvando as distáncias que se quigerem- é semelhante à que se segue nas exigências reaccionárias de endurecimento do código penal e a legislaçom penitenciária : escolhe-se um delito monstruoso (morte de crianças, assassinatos, violaçons) e, sem citar a sua pouca frequência estatística, eleva-se a problema social gritante contra o que cumpre legislar com a máxima dureza.

No caso das pintadas e grafitis, sem enfrentarmo-nos a feitos tam truculentos, escolhem-se casos lamentáveis de ataques ao património (caso das pintadas na fachada de Pratarias, ou os recentes danos na muralha medieval de Monforte) e repetem-se ad nauseam para criar na populaçom preocupaçom e alarma.

Mas na realidade, a imensa maioria de pintadas reivindicativas ocupam muros de solares, divisórias de autoestradas ou blocos de prédios sem valor patrimonial nenhum. Em casos muito contados danam vivendas particulares. Dá-se o paradoxo -como recentemente denunciou em Lugo a plataforma Lugo sem Mordaça- que o Concelho decide-se a adecentar um espaço e a branquear um muro ruinoso dum solar abandonado, só se há umha pintada reivindicativa que o ‘desloziu’.

Independentismo e livre expressom

As paredes tenhem sido um espaço de privilégio, historicamente, para a comunicaçom de ideias dissidentes por parte de colectivos que padecem o boicote mediático e que nom contam com os recursos económicos abondo para comprar espaço, como fam as grandes empresas em painéis, marquesinas e prédios. O independentismo galego viu-se nas últimas décadas duramente perseguido por este uso sistemático da rua, afrontando elevadas multas e, mesmo em casos pontuais, penas de prisom simbólica de poucos dias. Em todos os casos, a tentativa estatal é reduzir a presença visível do arredismo na rua, e disuadir a sua militáncia do activismo mais clássico. O mesmo acontece com outras correntes políticas, como o anarquismo, expulsadas com dureza do espaço público.

Recentemente, a organizaçom Causa Galiza denunciava as multas do concelho de Lugo contra três dos seus militantes, em cantidades de centos de euros, por colarem cartazes num quiosco abandonado bandeiras galegas e legendas soberanistas.

Na realidade, a controvérsia da puniçom às pintadas oculta a velha contradiçom entre as classes dominantes, os seus representantes políticos e o seu Estado, e os sectores do povo que, sem mais recursos que o sprai, utilizam as paredes com motivaçom reivindicativa e, em outros casos, de expressom artística.