Uma pessoa começa a contar uma história e baixa o tom da voz para falar que alguém é homossexual. O jornal noticia a morte de uma mulher trans, mas usa um nome masculino para identificar a vítima. O evento é sobre abertura de espaços na empresa para contratação de travestis, mas as principais palestras são sobre a arte das drag queens e como programas de televisão as tornaram mais visíveis ao público de classe média. Essas situações, que aos olhos de ativistas, com razão, causam indignação, também geram medo de cometer erros ao falar sobre a questão em pessoas que estão começando a se familiarizar com o tema. Se, por um lado, é obrigação de quem pretende se posicionar sobre um assunto buscar informações sobre ele, por outro, é bastante difícil se manter atualizado acerca das constantes mudanças em torno do tema.

Viemos de uma tradição de produção do conhecimento que valoriza as definições duras e imutáveis. A credibilidade da ciência, para muitas pessoas, ainda é relacionada com a capacidade de calcular e de transformar em números, causas e efeitos os fenômenos da natureza. Quando falamos em questões sociais, mais especificamente gênero e sexualidade, essa maneira de pensar pode não se encaixar de forma adequada ou generalizada. A formação semântica dos termos é fruto de disputa entre diferentes correntes teóricas e de movimentos sociais que tentam transformar suas vivências e reflexões em verbetes ou até mesmo desconstruí-los e questionar a necessidade de designações. Afinal, será que é possível encaixar as inúmeras possibilidades de sentir e se posicionar perante o mundo em caixas com formato preestabelecido e com limites tão rígidos?

O acrônimo que designa pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) é um exemplo dessas disputas. Durante um tempo considerável, se utilizou o termo GLS para se referir a esse público de forma a agrupar, talvez com objetivos comerciais, aquelas pessoas que se identificavam como gays e lésbicas e os simpatizantes, para dizer que espaços eram abertos ou tinham programações voltadas a esse público. Com o passar dos anos, passou-se a utilizar o termo GLBT, para identificar, além desse estrato da população, um movimento político que englobasse as pessoas bissexuais e transgênero, excluindo os simpatizantes por entender que não se luta pelos direitos deles. Posteriormente, os movimentos de mulheres lésbicas reivindicaram que a letra L fosse posta na frente para sinalizar o quanto o movimento era capitaneado por homens gays que, mesmo tendo uma parcela da sua identidade desviante da norma heterossexista, ainda se beneficiavam do machismo estabelecido, então se passou a utilizar a sigla LGBT.

No Brasil, o uso da sigla foi referendado pela 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, realizada em 2008, em Brasília. No entanto, ainda existem variantes: em países da América Latina, da América do Norte e da Europa, é comum utilizar o termo LGBTI para englobar também pessoas intersexo. O termo LGBTQ tenta abarcar quem se identifica como queer . LGBTTT engloba as identidades de travestis, transexuais e transgêneros.

Qual é o mais correto? Depende de contexto e consenso. E para saber disso, apenas observando as discussões sobre os temas que se atualizam com frequência, sem se apegar ao que dicionários estabelecem como o mais correto. Se fosse por eles, continuaríamos entendendo que travestis são pessoas que optaram por não realizar uma cirurgia de transgenitalização e que devem ser tratadas por pronomes masculinos. As pessoas que vivem o termo devem ser mais ouvidas sobre como devem ser chamadas e tratadas do que as normas que nos acostumamos a obedecer.

Isso não significa que devemos nos despreocupar com os termos e sermos desleixados em relação a como falar sobre o assunto. Pelo contrário: é obrigação de quem pretende compreender um novo campo ou contexto se colocar numa posição de constante curiosidade e investigar as melhores formas de evitar confusões, desrespeitos e generalizações errôneas. Tratamentos preconceituosos e estigmatizantes reforçam a violência sofrida por LGBTs diariamente. Como no exemplo citado anteriormente, um jornal que nega o direito à identidade de uma pessoa transexual ao noticiar uma violência sujeita essa pessoa a uma segunda morte: a causada pela invisibilidade e pela negação de um direito humano. É preciso ressaltar que o preconceito e o estigma são determinantes estruturais na vida da população LGBT e criam um cenário de vulnerabilidade social bastante grave, podendo colaborar para uma série de agravos e entraves, que vão desde complicações de saúde mental, barreiras no acesso à saúde, maiores taxas de rejeição familiar e comunitária, maior suscetibilidade ao desemprego e à evasão escolar, até a exposição à violência física e assassinato.

Por outro lado, para ativistas, colocar-se em uma posição de patrulha em relação ao desconhecimento alheio geral é mais um equívoco do que uma virtude. Devemos reconhecer que chega um momento, depois que se é tão discriminado, que nem sempre é fácil se colocar em uma postura de educador e ser tolerante à indiferença das pessoas a situações que nos são caras. Não podemos exigir que todas as pessoas ajam de forma acolhedora e aberta. É legítimo não ser assim. Porém, é necessário reconhecer que o escracho daqueles que cometem erros gera uma sensação constante de medo ao se falar do tema, que pode resultar em mais invisibilidade sobre ele. Talvez seja mais interessante ver pessoas falando sobre o preconceito contra o homossexualismo (sic), alertar sobre o erro e manter-se em uma postura de diálogo, do que aceitar que o tema não seja debatido, e a discriminação, mais disseminada. É preciso criar espaços de diálogo e convergência para que possa haver produção de características comuns que coloquem as pessoas em sintonia, entendendo e validando suas diferenças, semelhanças e criando interfaces para um mundo com menos iniquidade e mais diversidade.

Por isso, tentamos estabelecer aqui um glossário de termos que são mais corriqueiros ao se falar sobre gênero e sexualidade. Ele não é a palavra final sobre todos esses verbetes, e sim uma tentativa de “fotografar” o que se fala no momento a respeito dessas questões. Talvez algumas das compreensões possam ser contestadas, de acordo com as afiliações teóricas de cada pessoa. Faz parte desse esforço de compreender vivências em construção estar aberto às reinterpretações.

GLOSSÁRIO

Homossexual – pessoa que se relaciona afetiva/sexualmente com pessoas do mesmo gênero.

Heterossexual – pessoa que se relaciona afetiva/sexualmente com pessoas de gênero diferente.

Gay – homem que se relaciona afetiva/sexualmente com outros homens. Ser gay não é apenas uma classificação, mas uma identidade política. Existem homens que se relacionam com outros homens e que necessariamente não se identificam como gays.

Lésbica – mulher que se relaciona afetiva/sexualmente com outras mulheres. Assim como ser gay, ser lésbica caracteriza uma vivência e um movimento político, não apenas uma classificação.

Bissexual – pessoa que se relaciona afetiva/sexualmente com pessoas dos gêneros masculino e feminino.

Travesti – o senso comum entende a travesti como uma mulher que foi designada com o gênero masculino quando nasceu, que passa a se identificar com o gênero feminino posteriormente e opta por não realizar a cirurgia de transgenitalização. Entretanto, hoje se compreende que travesti é uma identidade de gênero característica dos contextos brasileiro e latino-americano que não está relacionada com o desejo ou necessidade de passar por uma cirurgia. Muitas travestis, apesar de se identificarem com o feminino (o que faz com que devam ser tratadas com o pronome “a”, já que não existe “o” travesti), não se adequam completamente às convenções do que é ser homem ou mulher na sociedade e reivindicam a identidade travesti como um gênero próprio. Por conta do contexto de vulnerabilidade social e intenso estigma a que estão expostas, a maioria das travestis precisa recorrer ao trabalho sexual como única forma possível de sustento.

Pansexual – pessoas que se relacionam com outras pessoas independentemente do gênero que se identifiquem.

Sexo – a tradição médica designa o sexo como um conjunto que envolve genitais, cromossomos, hormônios e gônadas de uma pessoa. A partir da análise visual desses elementos, costuma-se definir se uma pessoa é homem ou mulher antes mesmo do nascimento, por meio de exames de ultrassonografia. Porém, algumas abordagens das ciências sociais questionam as diferenças entre sexo e gênero, tomando ambos como produções discursivas da ciência e das relações de poder estabelecidas em cada contexto.

Gênero – as definições mais popularizadas sobre o termo delimitam gênero como a leitura social sobre os papéis que as pessoas ocupam na sociedade e as formas com que as características identitárias são performadas. O gênero, nessa concepção, não depende do sexo e é marcado por relações de poder muitas vezes desiguais, criando hierarquias que colocam os homens como superiores e as mulheres como inferiores.

Orientação sexual – termo que se refere às diferentes possibilidades de atração sexual e afetiva por outras pessoas, como homossexualidade, bissexualidade, pansexualidade etc.

Diversidade sexual e de gênero – termo guarda-chuva que se refere às diferentes identidades, expressões de gênero e orientações sexuais existentes. É uma forma de afirmar que não existe apenas uma maneira de viver a sexualidade e que deixa aberto um espectro possível de identificações que fogem dos padrões tradicionais.

Identidade de gênero – forma com que uma pessoa se identifica a partir das referências de gênero presentes em cada contexto.

Ideologia de gênero – termo pejorativo usado para afirmar que a diversidade sexual e de gênero é apenas uma questão baseada em ideias imorais que não encontram vínculo com a realidade. É comum que as pessoas que são contra a “ideologia de gênero” afirmem que ativistas querem doutrinar crianças para negarem que homens e mulheres foram feitos por deus com papeis definidos e imutáveis. O mais curioso do termo é que ele não é incorreto, se for analisado de forma mais objetiva, já que todas as visões sobre gênero, inclusive aquelas propagadas pela moralidade mais difundida, são visões ideológicas acerca do tema. Por exemplo, entender que uma mulher deve ter a vida dedicada ao cuidado da família e à procriação, como se prega nos discursos conservadores e machistas, é uma ideologia de gênero.

Nome social – designação pela qual pessoas trans e travestis se identificam e são reconhecidas socialmente. O nome social é um direito garantido por uma série de portarias e normativas em âmbitos nacional e estaduais. O direito à identidade e à autoidentificação é básico e central na vida das pessoas e deve ser fomentado, estimulado e garantido.

Patriarcado – forma como os sistemas sociais são organizados dando a centralidade à figura masculina, predispondo à dominação masculina sobre crianças, mulheres e a propriedade.

Cisgênero – termo que designa as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando nasceram. Uma das funções do termo é afirmar que se é necessário ter uma palavra para designar as pessoas transgênero, as pessoas que não são transgênero também devem ganhar uma terminologia própria.

Transgênero – termo guarda-chuva para se referir às vivências das pessoas que têm um gênero oposto ao que lhes foi designado no momento do nascimento. Abarca transexualidade, travestilidade e outras identidades, como as hijras na Índia e as fa’afafine em Samoa. Apesar de ser um termo prevalente no contexto anglo-saxão, no Brasil os movimentos sociais têm dado preferência à terminologia “pessoas trans”.

Transexual – pessoa que foi designada com um gênero no nascimento, mas que passa a reivindicar outro gênero ao longo da vida. Uma pessoa que foi designada com o gênero feminino ao nascer, mas que reivindica o gênero masculino, é um homem trans, por exemplo. Uma pessoa que foi designada com o gênero masculino ao nascer, mas que se identifica com o gênero feminino, é uma mulher trans.

Gênero não-binário – termo usado para se referir às identidades de gênero que rompem a dicotomia homem/mulher, podendo abarcar pessoas que não se identificam nem como homens nem como mulheres, pessoas que se consideram sem gênero ou de outros gêneros presentes em cada contexto cultural.

Feminismos – conjunto de movimentos políticos e sociais que lutam pela igualdade entre os gêneros, empoderamento das mulheres e libertação do patriarcado. É comum utilizar a palavra no plural para reconhecer que não existe apenas uma forma de feminismo, mas diversas vertentes com visões e históricos diferentes da luta, como o feminismo negro, transfeminismo, feminismo classista, feminismo radical e feminismo interseccional.

Drag Queen ou transformismo – manifestação artística em que se tenta exagerar características do gênero feminino.

Lugar de fala – é a ideia de que pessoas que sofrem determinadas vivências, opressões e iniquidades têm uma posição de conhecimento diferenciada e preferencial a respeito daquilo que experienciam, tendo maior propriedade para falar a respeito, numa ideia de valorização do protagonismo.

Machismo – conjunto sistemático de práticas e ideias que inferiorizam as mulheres e supervalorizam os homens, criando uma relação de hierarquia e desigualdade. Costuma ser expresso por meio de atitudes negativas, ofensas, depreciações e piadas direcionadas a mulheres, e pode ter tanto formas explícitas quanto sutis.

Homolesbotransfobia – termo genérico para se referir ao preconceito direcionado a gays, lésbicas e pessoas trans. A categoria “homofobia” foi criada pelo psicólogo estadunidense George Weinberg para patologizar as pessoas preconceituosas, invertendo a lógica que considerava pessoas não heterossexuais doentes e perversas. Porém, visões contemporâneas entendem o preconceito como uma atitude, processo psicológico de categorização e rotulação que envolve aspectos cognitivos, comportamentais e emocionais direcionados a grupos específicos, atingindo pessoas por terem características negativas atribuídas aos grupos às quais pertencem. Dessa forma, o preconceito é entendido como um processo de aprendizagem passível de ser identificado, monitorado e modificado, e não como uma doença. É importante frisar que “heterofobia” não existe enquanto um preconceito estrutural, pois preconceito sempre envolve relações de hierarquia, desigualdade e inferiorização. Pessoas heterossexuais podem ser individualmente discriminadas em alguns contextos, mas esse fenômeno não acontece de forma sistemática, reiterada e generalizada como o que acontece com a população LGBT.

Termos e situações que merecem atenção

Aidético – termo considerado pejorativo. Atualmente faz menos parte da linguagem corrente, mas há pouco tempo era usado, inclusive na imprensa, para designar pessoas que vivem com HIV/aids. Hoje, entende-se que fomenta estigma e discriminação. O termo mais adequado é pessoa que vive com HIV/aids ou pessoa soropositiva.

Homossexualismo – o sufixo “ismo” está historicamente associado a doenças. As sexualidades não-heterossexuais deixaram de ser consideradas patológicas pela ciência. Em vez de homossexualismo, pode-se dar preferência a termos como homossexualidade, homossexual, gay, lésbica etc.

Homoafetivo – o termo homoafetivo é bastante comum no Direito para designar casais de pessoas do mesmo gênero. O problema da palavra é a característica de eufemização ou suavização da sexualidade das pessoas. Ela é utilizada principalmente como uma tentativa de tornar mais palatável a vivência de LGBTs em ambientes conservadores, mas movimentos sociais questionam o quanto é estratégico politicamente ceder a essa condição. Uma pesquisa recente realizada pelo Grupo de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS demonstrou que o uso da categoria “homoafetivo” não mudou a opinião das pessoas em relação ao apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo quando comparada aos termos “homossexual” e “pessoas do mesmo sexo”. A justificativa para a sustentação do casamento entre pessoas do mesmo sexo deve passar pela esfera pública, laica, formal, universal e abstrata, na forma de garantia de direitos, atendendo aos interesses das pessoas sem que se precise recorrer à noção vaga, imprecisa e higienista de amor romântico implicada no uso do termo “homoafetivo”.

Divulgação da condição sorológica de uma pessoa – profissionais de comunicação, educação e saúde devem prestar atenção na necessidade de não divulgar se uma pessoa vive com HIV/aids contra a vontade dela. Apenas ela tem condições plenas de analisar o efeito que isso causaria nas suas relações sociais, profissionais e afetivas.

Tirar do armário à força – a orientação sexual ou identidade de gênero de uma pessoa não deve ser divulgada sem a anuência explícita da pessoa. Em alguns casos, fazer isso pode colocá-la em sérios riscos. Recentemente ficou famosa a situação de um jornalista que, ao cobrir as Olimpíadas do Rio de Janeiro, procurou atletas em aplicativos de encontro gays e divulgou aqueles que estavam presentes nas plataformas. O profissional foi duramente criticado, já que diversos atletas viviam em países em que a homossexualidade é punida com prisão e até mesmo pena de morte.

Hermafrodita – termo que deve ser evitado para se referir às pessoas intersexuais por estar carregado de estigma. Atualmente é mais utilizado para descrever seres não humanos nas ciências biológicas.

Ser normal – é comum e errado que se faça uma oposição entre pessoas LGBT, vivendo com HIV/aids ou indivíduos que vivem com algum transtorno psicológico e pessoas normais. A questão é que o conceito de “normalidade” é questionável. Entender pessoas com essas vivências como anormais parte do princípio de que existe apenas um padrão correto e aceitável de como viver.

Cura da homossexualidade e da transexualidade – ganham força no Brasil movimentos que pregam a possibilidade de “cura” de pessoas LGBT por meio de “reversão sexual”. O Conselho Federal de Psicologia proíbe enfaticamente que profissionais da psicologia realizem tentativas de reparar ou curar a homossexualidade. Essas tentativas, além de ineficazes, causam grande sofrimento às pessoas. Os estudos científicos contemporâneos são taxativos ao afirmarem que as orientações não heterossexuais não são doenças, mas sim espectros da normalidade em termos da sexualidade, devendo ser apoiadas e validadas. Qualquer tentativa de cura ou reversão deve ser denunciada, sendo passível de penalidades administrativas.

Publicado em IHU ON LINE