A política exterior de Trump: reacionária, agressiva e imperialista

(Traduçom do galizalivre)

Este é um problema ao que se vêm enfrentando governos em todo o mundo e para o qual nom está claro que o próprio Donald Trump tenha umha resposta. O seu discurso de 25 de setembro na Assembleia Geral das Naçons Unidas proporciona algumhas pistas. Trump afirmou que os Estados Unidos tinham umha política de «realismo de princípios»: «A política americana de realismo de princípios significa que nom seremos reféns de velhos dogmas, ideologias desacreditadas e as denominadas expertas que se mostrárom erradas umha e outra vez ao longo dos anos». Trump já tinha mencionada esta «política» em quatro ou cinco ocasions anteriores, mas esta foi a mais destacada. Do que está a falar?

Para respondermos esta pergunta, precisamos entender como pensa a classe dominante em matéria de política externa. Há duas escolas principais na teoria burguesa sobre as relaçons internacionais. Umha é chamada alternativamente de “liberalismo”, “utopismo”, “idealismo” e termos semelhantes. A outra é chamada de “realismo”. Ambas se propusérom para promover os interesses do imperialismo e ambas têm várias sub-escolas que divergem ligeiramente das teorias básicas. O liberalismo, que reconhece no filósofo do século XVII John Locke umha grande influência, vê um mundo constituído por indivíduos bem intencionados, capazes de cooperaçom racional, organizados em estados e organizaçons intergovernamentais, como as Naçons Unidas. O realismo, que tem as suas raízes no historiador da Antiga Grécia Tucídides mas também em Maquiavel e Thomas Hobbes, vê um mundo anárquico, organizado em estados competidores, que tentam usar a força para sobreviver e prosperar. As prescriçons das políticas liberais, empenhadas em «fazer do mundo um lugar melhor», tendem a enfatizar a necessidade de espalhar a democracia liberal e o respeito polos direitos humanos. Estas devem ser aplicadas, se a diplomacia falhar, polo exercício da força e preferivelmente sancionado por instituiçons internacionais. Mas estas políticas saem pola culatra frequentemente. A guerra do Vietname, as contínuas crises no Oriente Médio e a guerra civil ucraniana fôrom apresentadas como tentativas liberais de promover a «democracia» e os «direitos humanos». O realismo geralmente julga os regimes internos simplesmente polas suas consequências para os interesses dum estado particular, os EUA por exemplo, em matéria de segurança. Embora acusado pola crítica liberal de ser belicista, o realismo opôs-se amplamente às intervençons dos EUA no Vietname e no Iraque. O liberalismo age a partir de princípios idealistas, enquanto o realismo se orgulha de partir da realidade.1

O que é o «realismo de princípios»?

É umha mistura de liberalismo e realismo? É um refinamento do liberalismo? Parece ter sido formulado pola primeira vez num discurso após um jantar, 30 anos atrás, por John C Whitehead, vice-secretário de Estado durante o segundo governo Reagan. Referindo-se à política externa dos EUA, Whitehead defendeu o «realismo» frente o «utopismo». Embora «a extensão da democracia em todo o mundo seja umha cousa boa para os Estados Unidos», os liberais acreditavam que simplesmente plantar a democracia num país era suficiente, mas os realistas reconheciam que «umha democracia nascente requer cuidado e atençom num clima de segurança e encorajamento». Segue-se que os Estados Unidos deveriam criar esse clima. Daí (ele exemplificava) a intervençom dos EUA no Oriente Médio, Filipinas, Coréia (do Sul), Argentina, Brasil, Panamá, Afeganistám, Angola, Nicarágua, Guatemala, El Salvador e Camboja. Ele denominou este enfoque «realismo de princípios». De fato, isto é claramente apenas umha reformulaçom do pensamento liberal clássico, basicamente para justificar a intervençom. Umha verdadeira realista ficaria horrorizada com o catálogo de intervençons desnecessárias (do seu ponto de vista).

O atrativo do realismo para o sector conservador é óbvio: é o oposto do liberalismo. O «realismo» soa, bem, realista: nom é o idealismo naïf liberal. O termo sugere sangue-frio sem sentimentalismos, umha disposiçom a usar a força onde liberais hesitariam, priorizando os interesses dum estado particular – como o «America First» de Trump – antes que um mítico interesse comum internacional. Esta interpretaçom do «realismo» agrada a percepçom de valentons como Trump. Por que «de princípios»? Isto sugere um forte compromisso com os «valores americanos», a defesa e a promoçom do «governo democrático», dos «valores democráticos», do «American Way of Life» e do «sonho americano». Direito ao coraçom duma patriota americana! De fato, após um exame atento, fica claro que esta «doutrina» nada mais é do que um slogan de marketing muito ressonante e nom um enfoque meditado da política externa.

Isto está muito claro no discurso de Trump na ONU. Apenas alguns minutos depois de afirmar que «Os Estados Unidos nom te vam dizer como viver, trabalhar ou a quem reçar», ele fijo exatamente o oposto, declarando «Todas as naçons do mundo devem resistir o socialismo e a miséria que este trae a todas»! Para mostrar às claras que os EUA vam dizer ao resto do mundo como viver, Trump anunciou que os EUA estám dando umha boa olhada na ajuda externa. «Examinaremos o que está funcionando, o que nom está funcionando e se os países que recebem os nossos dólares e a nossa proteçom também têm os nossos interesses no coraçom … só daremos ajuda externa àqueles que nos respeitam e som, honestamente, os nossos amigos». É claro no discurso que, apesar de toda a retórica de rejeitar «velhos dogmas, ideologias desacreditadas e as denominadas expertas», a política externa de Trump é apenas umha variante do tradicional intervencionismo imperialista: o discurso é umha longa lista pregoando a intromissom dos EUA no Oriente Médio, a ruptura dos padrons de comércio global, a predatória Doutrina Monroe e atividades reacionárias de todos os tipos e por todo o mundo.

Críticas liberais

No entanto, isto nom provocou que Trump agradasse às defensoras dumha política externa liberal. Elas estám consternadas por Trump ter atacado «todos os três pilares da política externa americana da pós-Segunda Guerra Mundial: alianças; livre comércio; e a promoçom da democracia, dos direitos humanos e do estado de direito».2 As alianças incluem a rede de vigilância Five Eyes (que Trump acusou de estarem a espreitá-lo), a OTAN (Trump questionou a necessidade de mantê-la), Japom e Coréia (nenhuma compensa adequadamente os EUA pola proteçom militar que recebem). Trump atacou o livre comércio com «inimigos» como a China, impondo tarifas sobre quase tudo o importado de lá. Mas também impôs tarifas sobre as importaçons de «amigos» na UE e na América do Sul, abrindo novas fendas com «aliados». O próprio desrespeito do presidente pola «democracia, os direitos humanos e o estado de direito» é bem conhecido. A soluçom liberal? Mais das mesmas velhas políticas: «Renovar a liderança americana e aprofundar a parceria com amigos e aliados» (Daalder e Lindsay); «Ainda há umha ordem mundial liberal por salvar, se o povo americano decidir que vale a pena resgatá-la” (Robert Kagan, The Jungle Grows Back).

Umha variante desta visom é a crença de que a política externa de Trump é umha continuaçom da das administraçons anteriores, em vez dumha ruptura acentuada. Estas políticas fôrom todas baseadas na noçom de «Excepcionalismo Americano», que caracterizou a história dos Estados Unidos desde a sua fundaçom: a ideia de que a naçom tem um destino messiânico e divino. Este excepcionalismo tomou muitas formas – o massacre da populaçom nativa da América ao longo dos séculos, o «Destino manifesto», a Doutrina Monroe – conforme exigido polas necessidades contemporâneas da naçom – «Umha naçom sob Deus». Trump é apenas a última encarnaçom do excepcionalismo. A ameaça particular que ele representa porém é inquietante: «umha nova e vulgar linhagem do excepcionalismo americano», de acordo com Jeffrey Sachs.2 Ela abrange «o puro nacionalismo», o racismo e o «populismo econômico»; está dirigido a algumhas das pessoas mais pobres dos EUA, beneficia os ricos e obscurece isto ao culpar os estrangeiros por roubar empregos nos EUA e por manter relaçons comerciais injustas às custas dos EUA. «Em benefício de quem é a America First?», Pergunta Sachs. Ele responde: «o complexo militar-industrial, Wall Street, as grandes petroleiras e a sanidade privada». Talvez o remédio seja o socialismo? Pereça o pensamento. «As verdadeiras respostas estám na cooperaçom internacional; o impulso de investimentos internos decisivos em educaçom, qualificaçom, tecnologia e proteçom ambiental; e mais ajuda para os pobres, paga aumentando as arrecadaçons de impostos… e polo aforro num orçamento militar inchado», basicamente um retorno às políticas liberais tradicionais. Como se implementará este programa de contos de fadas, em face do que Sachs reconhece ser «o poder político predominante dos principais lobbies corporativos”, ele nom explica em parte algumha.

Todos os três livros fôrom revisados com simpatia no Financial Times, polo seu principal correspondente de relaçons exteriores, Gideon Rachman (4 de outubro de 2018). Como o jornal observa, estes livros «exibindo umha repulsa pola política externa de Trump ainda deixam as leitoras na espera dumha explicaçom da visom de mundo do presidente».


Como explicar a visom de mundo do presidente?

O liberalismo nom pode explicar a visom de mundo do presidente – ele habita um universo mental anos-luz distante dele; as suas próprias premissas som rejeitadas polo presidente. O realismo é totalmente a-histórico – afirma ser capaz de analisar qualquer situaçom internacional, desde a guerra dos estados escravistas gregos no quinto século a.C., até a da Cuba socialista hoje … e, portanto, também do trumpismo. Até certo ponto pode mas Trump está a funcionar numha sociedade de classes específica e num estágio particular do desenvolvimento imperialista. Somente examinando a política externa de Trump nesses contextos específicos pode ser adequadamente entendida. Tanto para os liberais quanto para os realistas, Trump acabou de «acontecer», surgindo de repente, da nada. Os marxistas e leninistas reconhecem que o imperialismo está numha crise na que este está a experimentar grandes dificuldades para fazer um lucro adequado; que todos os estados imperialistas estám «vagando polo mundo, sondando todos os cantos e fendas, buscando famelicamente benefícios. Combinado com a ressurgente rivalidade interimperialista [devido à queda da Uniom Soviética], a crise de lucratividade está impulsionando vigorosamente as potências imperialistas em competiçom»3 umas com a outras. Como reconhece o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, «esta competiçom estratégica entre estados, e nom o terrorismo, é agora a principal preocupaçom da segurança nacional dos EUA… O fracasso em cumprir os nossos objetivos de defesa resultará numha diminuiçom da influência global dos EUA… e um acesso reduzido a mercados que contribuirá para um declínio na nossa prosperidade e padrom de vida». Este é um resumo sucinto dos problemas que enfrenta o imperialismo dos EUA.

Os instintos intimidadores e fascistas de Trump som as qualidades ideais dum líder dos EUA neste momento: os imperialistas estám preparados para tolerar a sua vulgaridade, intolerância e imprevisibilidade enquanto ele propicie políticas apropriadas para o imperialismo dos EUA. Internamente, reduziu os impostos sobre as corporaçons e está a recurtar os gastos públicos ao diminuir os orçamentos departamentais – com exceçom dos militares. Internacionalmente, está a reformar e reorientar o exército dos EUA para um apoio mais vigoroso ao imperialismo dos EUA, quebrando tratados e abandonando alianças que entram em conflito com o «America First» e afastando-se de instituiçons multilaterais. Como um dos seus defensores acadêmicos argumentou, «Trump enviou a mensagem de que os EUA agora cuidarám dos seus próprios interesses, estritamente definidos, nom os interesses da chamada comunidade internacional, mesmo às custas de aliados de fai tempo».4 Para este autor, a política de Trump é «fundamentalmente realista em natureza». Para nós, comunistas, a política externa de Trump é simplesmente umha adaptaçom da tradicional política externa imperialista a umhas circunstâncias transformadas. Embora diferente na forma, tem as mesmas raízes e objetivos que as fases anteriores da política externa dos EUA – nom é nem «liberal» nem «realista», mas simplesmente reacionária, agressiva e imperialista.

Steve Palmer

1. Ivo H Daalder & James M Lindsay The Empty Throne – America’s Abdication of Global Leadership (New York, 2018).

2. Jeffrey Sachs A New Foreign Policy – Beyond American Exceptionalism (New York, 2018).

3. ‘Trump stirs it up again’, FRFI 265 August/September 2018.

4. Randall Schweller Foreign Affairs

*Publicado em www.revolutionarycommunist.org em 13 de Dezembro de 2018