Iolanda Teixeiro/

Vivemos tempos hídricos ou, como dizía Baumann, líquidos. Paradoxalmente, enquanto as empresas transnacionais se apropriam dos nossos aquíferos e gerem as nossas empresas de água, antes municipais, assistimos a umha moda de cultivos hidropónicos, isto é cultivos sem terra e em recuados espaços, no entanto os monocultivos que nos despossuirom das terras inçam o planeta e engordam as grandes corporaçons dermoestáticas.

Na política cultural municipal, presenciamos a mesma dinâmica. Desde os tempos do desenvolvimentismo dos sessenta até a globalizaçom cultural dos meios de deformaçom e aculturaçom passando polas redes sociais, assistimos ao espectáculo de culturas hídricas com as variedades das cinco vogais: hidropânicas, hidropênicas, hidropínicas, hidropónicas e hidropúnicas.

Culturas hidropânicas som todas aquelas culturas que causariam abraio ou pânico na Geraçom Nós polo deterioro do húmus cultural galego que evidenciam. Eis a celebraçom da feira de abril em mesons que levam o nome de Labrego e decorados com trebelhos agrícolas que já ninguém lembra. Esses mesmos que esquecem as letras do maio ou que celebram os maios como um puro assunto decorativo sem sentido.

Culturas hidropênicas adoitam abranger todas aquelas atividades ou festas, subvencionadas ou nom, que louvam os valores patriarcais, bem forem na sua modalidade desportiva competitiva, bem na sua modalidade supostamente de igualdade ou de sexualidade meramente reprodutiva ou pré-matrimonial. Algumhas destas supostas culturas subvencionam-se em espaços institucionais para encher um pouco o vazio de tanta infraestrutura do mal-gasto como podem ser Casas de Cultura ou de Juventude.

Culturas hidropínicas som aquelas culturas rurais domesticadas desde a urbe que ilustram e premiam a aqueles que ainda conservam algumha terra para que substituam a cultura autóctone do bosque por monocultivos de pinica ou arume sem harpar, quando nom por gadanhas para as celuloses dumha pasta de papel que nem deixa pasta nem deixa papel, ao menos do escrito com algo que se poda achegar ao conceito de cultura, no nosso território. As culturas hidropínicas som as que atingem uns rendimentos mais pírricos por mor desse recendo a ruralidade e atraso que efluviam nos narizes progressistas a desenhar a Cultura nos altos despachos das academias e nos conselhos de administraçom das Corporaçons Culturais, esses que artelham esses pacotes de circuitos culturais demodé.

Culturas hidropónicas som as culturas das naçons coloniais, daqueles que coma nós, som desterritorializados com o calote secular do universalismo cosmopolita homogeneizador, disfarçado de progresso. Som as mais avondosas e inçam o território coma o lume.

Culturas hidropúnicas ou punica granatum som essas granadas culturais com as que certos políticos, edis, funcionários e empresários, com a escusa de fornecer-nos com o que eles chamam um bem cultural, branqueiam os quartos públicos em concesons e contratos através de tramas societárias mais revesgados que os corredores dos termiteiros.

A política cultural municipal sofre de todas estas vogais em boga. Mormente, porque todas elas permitem um controlo político dos sujeitos que mudamos, assim, em objectos ou consumidores dos seus produtos globais, produtos culturais de desenho que som transportados dumha terra a outra sem necessidade de aclimataçom, sequer. Porque as sementes culturais que nos plantam os concelhos nas suas programaçons som de variedades exóticas e transgénicas que só eles podem comercializar. Umha ruína para o nosso humus cultural, rico como era em sementes paroquiais de tempos suevos. Do nosso substrato cultural fica apenas algum magusto ou entruido perdido nas montesias terras onde ainda nom deu chegado, por sorte orográfica, aquela maquinaria pesada contra a que nos alertava Pedrayo ás portas do berce do além. Mais em vilas e cidades da beira-mar, como Ferrol, onde chegam todos os ventos, mercadorias esquilmadoras e exotismos desleigados, o substrato cultural desses dous universos culturais que som, por pôr um exemplo, o magusto e o entruido, está inçado de parasitos e bactérias que nom venhem da terra senom precisamente da hidroponia, desse desenraizamento e colonialismo deturpador que produziu o êxodo rural para a instalaçom da industria e o monocultivo do mercadeio global. Com tal resultado que hoje nos bairros nom se diferencia o magusto do entruido, pois a quebra da cultura rural -com o seu sentido cíclico natural, o tabu progressista arredor da morte, o individualismo atroz após o derrame da comunidade, a adicçom a umha cultura mediática através dumhas pantalhas que nada tenhem a ver com as do Entruido ourensao…- fijo da política cultural o maior instrumento de atordoamento, escravizaçom mental e aniquilamento das iniciativas que podiam passar por comunitárias, críticas e criativas, enraizadas na terra e nos devanceiros. Culturas capazes de construir desde a tradiçom, nom de consumir desde a traiçom às nossas raizames.

Disque existem seis sistemas básicos de culturas hidropónicas com as que se podem elaborar programas culturais para aparentar diversidade onde só há dirigismo. O sistema de goteio ou pingadela que é um dos mais empregados no mundo para cultivar mentes a nível industrial e doméstico com baixo investimento. Consiste em regalar nutrientes eleitoralistas do gosto do cidadao para que o voto prenda. Os formatos iriam desde os cursos de formaçom ou em práticas a acampamentos pontuais em tempos festeiros ou de conciliaçom familiar passando. Sempre cultivam o lazer formatado previamente. Existe também a opçom de assolagamento ou drenagem que permite instalar o evento cultural tanto em interiores como em exteriores, mais só de jeito periódico como podem ser os macroconcertos especiais dos circuitos publicitados nos meios de massas. Aqui é indispensável o temporizador. Temos logo a técnica cultural N.F.T ou técnica de película de nutrientes que aporta nutrientes culturais ás raizames dos bairros, mais dum jeito continuo ainda que superficial, com o que um falho no sistema de bombeio fai com que os espetadores, sempre passivos, murchem de contado. Esta técnica abunda nas associaçons vizinhais e nos locais sociais, com um grande mal-gasto e infraestruturas pouco ajeitadas com o território e valeiras de cultivo substancial. Manualidades, zumba ou sevilhanas som os formatos mais demandados, sempre numha sociedade capitalista onde, como dizia Vicent-Marqués, a oferta precede, coactiva e imperiosa, à demanda.

Existem em muitas políticas municipais os cultivos de água, onde a capacidade criativa e crítica das pessoas fica assolagada todo o tempo enquanto umha bomba de ar viciado produz borbulhas que osigenam as raizames para que semelhe que algo livre e com vida se move aí. Esta política cultural admite quanto formato há. Nom assim o sistema aeropónico que reclama umha pulverizaçom contínua dos nutrientes culturais e só se dá em climas arredados em pequenas e selectas urbanizaçons das cidades ou do campo com sistemas de alarmes e regos do último no mercado. Som estes cultivos selectivos só acajomados às elites, mas subvencionados por todos nós. Podedes vê-lo desde a barreira que dam os seus preços privativos em auditórios, hotéis ou edifícios senhoriais que gostosamente cede algum clube, instituiçom, fundaçom ou casino.

Respeito do sistema de cultivo de mecha pouco há que dizer mais que a neneza e a mocidade é a que recebe, quase sempre sem o demandar, este tipo de atividades extra ou para-escolares que servem para o adoutrinamento complementar e incluso nom gratuito.

Por sorte, ainda existem espaços selvagens onde moços e velhos cultivam bancos de sementes autóctones e ceivas das gadoupas transnacionais. Estas som as reservas culturais da resistência. Além incluso do que se deu em chamar a Contra-cultura, tam domesticada hoje como nos seus tempos foi o tango ou o jazz que diria Robert Taylor em A arte, inimigo do povo.

Esta tempada tivem a sorte de topar um cultivo em terra esquecida e por tanto livre, umha revista cultural em formato papel fotocopiado em b/n, que se vende ou agasalha na rua e no café e que se titula Trama. Reflexons autónomas. Tecnologia, cibernética, patriarcado, contra-cultura, anti-pedagogia. Criado por umha mocidade que pensa e nom come a esmola de penso de galinhas de curral.