César Caramês/

A verdade é a relaçom co contrário; constantemente em movimento, vivo, nunca estático.
Bruce Lee

Aos sujeitos da história cumpre vê-los como nom definidos a prióri. A posiçom contrária estivo e está marcada se calhar mui fortemente nas correntes dogmáticas, mesmo em correntes com vocaçom revolucionária como os trotskistas, que falam de classes e de classe operária em especial como que é necessariamente e em todo momento sujeito das história, e que se nom o é, isto obedece a razons conjunturais, à traiçom dos chefes e cousas desse tipo.
Samir Amin

A resultas deste artigo de Maurício Castro , dei em cavilar nos paralelismos que existem entre os debates na esquerda anticapitalista e os que se dérom nas chamadas artes marciais durante o século XX. Acho que pode resultar útil traçar o cotejo pois decote as metáforas som mais eficazes na transmissom de ideias que as longas disertaçons, como nos ensina diariamente a publicidade capitalista.

O que hoje conhecemos como artes marciais clássicas japonesas: Karate, Aikido, Judo… nom som mais que reelaboraçons modernas a partir de técnicas tradicionais, frutos da brusca implantaçom do Estado-naçom em Japom na era Meiji. Diante da pressom das potências ocidentais, Japom tivo que abandonar o seu isolamento secular e abrir-se ao comércio ocidental. Em 1854 Estado Unidos ameaçou com bombardear Kyoto se nom o fazia. A partir deste momento, produzírom-se umha série de conflitos internos entre o Shogunato e umha parte da nobreza que queria “modernizar” o país apoiando-se na figura até daquela decorativa do emperador. Derrotados os partidários do Shogun, encetou-se o processo rapidíssimo de ocidentalizaçom e criaçom dum Estado-naçom capitalista próprio. Quem o realizava era a própria nobreza reconvertida em oligarquia autoritária moderna, nom umha burguesia nacional como di, enganando-se, o companheiro Maurício. Mas já chegaremos aí. Fijo-o ela porque temia acabar como a vizinha China posterior às Guerras do Ópio, monicreque das potências ocidentais em expansom. De facto, quiçá esta supervisom dos antigos daimiôs sobre todo o processo, junto ao grande influjo prussiano e à velocidade do mesmo, poda explicar o militarismo e o imperialismo nipom posterior.

Na mudança de século, assentado já o processo modernizador/capitalista/ocidentalizante, Jigoro Kano tentou unificar a constelaçom de estilos tradicionais de Ju Jitsu no Judo actual. O velho ensino personalizado nas artes de luita foi substituído por aulas massificadas com movimentos coordenados como os da a instruçom militar ou o ensino ocidental. Também se desbotárom as técnicas mais perigosas para facilitar a prática entre as classes médias e constituí-la numha arte nacional acorde co espírito ultra-nacionalista da época. O Kendo, a via do sabre, estandarizou assemade as escolas de esgrima substituindo o aceiro por madeira e bambu. O Karate, pola sua vez, participou desta unificaçom suavizadora seguindo o exemplo do Judo até no uniforme e os graus. A partir dos estilos de Tode (autóctone) e de Kenpo (Kung Fu chinês) que se practicavam no reino das Ryu Kyu (Okinawa), acabado de anexar polo ímpério nipom, nasceu o japonessísimo Karate-Do moderno. O Aikido pola sua banda foi umha construçom nacionalista-religiosa que Moriei Ueshiba realizou desde o Dayto Ryu (jiu jitsu) a partir das ideias da sua seita. Todas tenhem em comum a regulaçom ou eliminaçom do combate e a procura estética nas técnicas.

Após o enorme pau que supujo a derrota de Japom na II Guerra Mundial e a conseguinte ocupaçom ianque, as artes marciais passárom dum período de proibiçom a outro de ainda maior moderaçom e expansom internacional. Estados Unidos convertera-se no novo hegemon do sistema-mundo capitalista e o contacto coas artes marciais japonesas favorecia o seu espalhamento. Porém, estas evoluíam segundo as próprias normas de competiçom duns combates mui restringidos para que os desportistas nom se mancassem. Em Judo nom se podia golpear e em Karate cada vez que se marcava um ponto com um golpe de semi-contacto, parava-se o combate calcando o modelo do Kendo. O Aikido eliminou completamente qualquer prática de combate directamente. Na Coreia recém independizada de Japom, criou-se daquela o Taekwondo como arte nacional, antes chamado Tang Soo Do, traduçom literal coreana de Karate Do. Nas suas normas competitivas premiava-se o emprego dos pontapés e isto determinou também a sua progressom futura. Coa participaçom americana na Guerra de Coreia também esta arte gozaria dos favores publicitários do novo centro capitalista. Todas elas chegárom a Ocidente apresentadas como técnicas milenárias de provada eficácia mália a sua codificaçom moderna.

Na china todo aconteceu de jeito mui diferente. A derrota da rebeliom dos Boxers supujo um desprestígio para todos os estilos de Wushu (Kung Fu). Coa instauraçom da república nacionalista em 1911, tentou-se codificar como arte nacional ao jeito do Judo, mas os múltiplos conflitos impedírom que o processo concluísse com sucesso. Nom foi até época muito mais recente que se criou o Wushu moderno após umha destruiçom geral dos estilos tradicionais durante a Revoluçom Cultural. Porém, o costume popular dos combates a contacto pleno entre estilos, os Leitai, estava muito mais recente na tradiçom chinesa e, canda o influjo daoísta, virava estes estilos mais flexíveis e adaptativos. Por isso nom resulta nada surpreendente que fosse um chinês, Wang Xiang Zhai, o que respondesse já no começo da cristalizaçom marcial moderna dos anos 30 coa criaçom do Yi Quan. Um estilo que desbotava toda norma, ritual e simbolismo que nom fosse focado ao combate real.

Este pragmatismo e orientaçom para o combate real frente às mistificaçons “clássicas”, conseqüencia da competiçom mui regrada, proliferou em periferias conflitivas onde a violência na rua era habitual. No Hawai multicultural de pós-guerra, Adriano Emperado criou o Kajukenbo fusionando técnicas de diferentes artes (Karate, Judo, Kenpo e Boxe) para abranger todas as distâncias de combate. No Japom dos cinqüenta, um coreano que ficou nos arrabaldes marginais desse país após a independência do seu, Choi Bae-Dal (Mas Oyama em japonês), fusionou diferentes estilos coreanos, okinawenses, chineses e thailandeses. Enfrentou-se em combates a contacto pleno em infinidade de desafios contra os “clássicos”. Venceu sempre e chamou-lhe Karate Kyokushinkay (A Derradeira Verdade) ao seu estilo.

Porém, fôrom um moço conflitivo do Hong Kong colonial dessa época e um brasileiro de Belém quem mais impactárom contra o “clasicismo” marcial internacionalmente. Bruce Lee, educado no aberto e simplificador Wing Chun Kung fu polo famoso Ip Man, combinou movimentos de numerosas artes marciais com base em princípios de simplificaçom e efectividade. A sua crítica aos métodos de ensino massificado “clássicos”, ao seu estatismo e rigidez som já lendários no mundo das arte marciais. O seu eclecticismo na busca da efectividade absoluta também. O facto de que ganhara a fama como actor de cinema ajudou a internacionalizar as ideias sobre a absorçom do eficaz frente à garatuza estética, sobre a práctica do sparring total com protecçons e sobre a fluidez entre as distâncias de combate. Bruce chamou-lhe ao seu “nom-estilo”Jeet Kune Do (A Via do Punho Interceptor) pola fincapé nas tácticas de ataque sobre as de defesa. Pola sua banda, o brasileiro Hélio Grácie modificou o Judo que a sua família apreendera a começos do século XX de Koma, um japonês aluno de Jigor Kano, para transformá-lo no que hoje se conhece como Jiu Jitsu brasileiro. Especializou-se na luita no chao e a sua família constituiu umha longa estirpe de luitadores em combates com mui poucas restriçons. O seu estilo foi evoluindo a partir precisamente desses enfrentamentos numha dialéctica de ensaio-erro tam enormemente arriscada como produtiva.

Nos noventa, os Grácie arribárom a Estados-Unidos e desafiárom a todo o mundo num campeonato com pouquíssimas regras, nascia o UFC (Ultimate Fighter Campionship). Era a explosom das MMA (Artes Marciais Mixtas), ainda que já existissem torneios semelhantes no Japom e no Brasil. A crueza dos combates derrubou todos os mitos dos estilos “clássicos”, sistemática e velozmente derrotados. Hoje, a fusom de Kickboxing e Muay Thai (Boxe Thailandês) co Jiu Jitsu brasileiro resulta fundamental para ter algumha oportunidade nesses enfrentamentos com poucas normas. Qualquer praticante de Karate, Taekwondo ou Judo que quiger competir em MMA sabe-o ainda que poda empregar algumha técnica do seu estilo excepcionalmente. Aliás, as próprias competências provocam que as tendências evoluam numha dialéctica contínua de técnica contra técnica e táctica contra táctica. Mas provocou este banho de realidade o abandono massivo das artes marciais “clássicas”? Abofé que nom. Seguírom recebendo a maioria de praticantes dos desportos de combate porque ofereciam algo que nom tem a ver co doloroso contacto: identidade. Alicerçada decote em falsas tradiçons e em lendas urbanas, sim, mas identidade ao cabo, fortalecida polos seus próprios rituais e símbolos de grupo.

E que tem a ver todo isto co artigo do companheiro Maurício? Pois eu acho que muito, decerto. Como as artes marciais, o marxismo é um método de combate, a filosofia da praxe que dizia Gramsci. Por isso é susceptível de padecer as mesmas doenças ca elas. Quando o companheiro Maurício fala da burguesia que luita por instaurar o capitalismo em Japom contra a nobreza feudal age exactamente igual que o karateka que repete um kata (sucessom de técnicas prefixadas ao ar) mecanicamente e desconhecendo a sua aplicaçom. Dado que Marx, imbuído polo positivismo do XIX europeu traçou assim o passo do feudalismo ao capitalismo na sua realidade conhecida, ele calca-lho ao Japom. E igualinho que esse karateka num enfrentamento real, erra. Nem Japom estava num sistema feudal como o europeu nem é a burguesia senom umha parte dos daimiôs, da nobreza, quem leva a cabo a instauraçom do Estado-naçom capitalista, como já dixem mais acima. E perpetram-no pola pressom imperialista euro-americana. Avonda com consultar qualquer manual de história oriental para o constatar sem entrar em mais fonduras, existe consenso académico. De facto, numha primeira fase de constituiçom do Japom moderno poderíamos falar de “capitalismo de Estado” primitivo. Porém, o erro mais grave do texto do companheiro Maurício, equiparável a pretender deter um jab com um bloqueio age uke ou olgul maki, é o de falar de revoluçom burguesa no Estado espanhol do XIX. Podemos chamar-lhes liberais aos pronunciamentos e até ao balbordo da I República, mas burguesa à secular oligarquia espanhola já ora que nom. É como chamar-lhe revoluçom burguesa ao processo de reformas liberais do czar Alexandre II. Precisamente foi o enfrentamento entre essa caste terratenente e parasitária da administraçom coa arquetípica burguesia industrial catalá e basca o que fortalece o nacionalismo nesses dous países a partir da segunda revoluçom industrial. Se nom entendemos isto, nom entenderemos tampouco as contradiçons que estoupam na II República Espanhola coa reforma agrária e do ensino. Como dado de interesse, Narváez, o grande arquitecto da Constituiçom de 1845, verdadeiro certificado de nascimento do Estado-naçom Espanhol actual, era um terra-tenente andaluz enriquecido polos negócios coa administraçom.

Mas sigamos cos paralelismos. Até há bem pouco, os praticantes de Karate Shotokan cuidavam que a sua era umha arte de golpeio exclusivamente, já que na competiçom só se permitia bater. Mais recentemente, a volta aos escritos e fotografias do seu fundador, Gichin Funakoshi, demonstrou que no início era um estilo completo, com luxaçons, lances e posiçons muito mais altas e cómodas que as actuais. As regras de competiçom e a institucionalizaçom criaram umha tradiçom identitária que hoje em dia expulsaria da escola o próprio fundador. O mesmo acontece com Marx. Ao considerar dogma o sentido ascendente da história do positivismo oitocentista europeu, do feudalismo ao capitalismo e deste ao socialismo, expulsaríamos do marxismo o próprio Marx. Sim, assim como soa, já que ao final da sua vida acabou considerando possível atingir o comunismo desde as formas comunais pre-capitalistas que perviviam por exemplo no agro ruso. Joám Jesus Gonçales, Mariátegui, Ho Chi Ming e Amílcar Cabral acompanhariam o velho na sua excomunhom. Mas igual que geraçons de karatekas desconheciam a obra completa de Funakoshi, geraçons de marxistas desconhecérom e desconhecem os Grundrisse ou as investigaçons sobre os escritos inéditos de Marx dos oitenta e noventa do século passado. Um impacto semelhante ao dos católicos embebedados da “tradiçom” quando batérom coa traduçom bíblica luterana no século XVI.

Para manterem o prestígio mália refugar o combate, as escolas tradicionais costumam invocar genealogias de mestres mitificados por façanhas indemostráveis enquanto qualificam de primitivas e brutas as competências com contacto presentes. Algo parecido ao que fai o companheiro Maurício quando identifica cos socialistas utópicos pré-marxistas toda emenda posterior ao cânone da vulgata leninista (ou troskista?). A luita a contacto total dos desportos de combate é equivalente aqui à luita de ideias gramsciana, sem argumentum magister dixit. O que naquela som golpes e lances sobre carne viva neste som razoamentos cimentados com exemplos frente à parálise da punhada ao ar repetitiva ou da enésima enunciaçom do dogma e do anatema. Porque velaí, anatemizar é outra das maneiras de defender a identidade de grupo para nom confrontar a dor do combate. A Oyama dixérom-lhe que isso nom era Karate, a Bruce Lee que aquilo tampouco era Kung Fu, a pesar de que nengum dos tradicionalistas se atrevesse a derrotá-los. O mesminho que padecérom Mariátegui, Fanon, Marini e Lenine a respeito do marxismo “tradicional” do seu tempo. Porém, hoje em dia, para rebater que a raça é um elemento organizador do sistema-mundo capitalista igualinho do que a classe e o género, sem primacias, nom avonda com excomunhons e enunciaçons deuteronómicas. Porque se o figermos, expulsamos a Samir Amin, David Harvey, Gunder Frank, Silvia Federici e Isabel Ráuber para além de Dussel, Grosfóguel ou Quijano, simplesmente porque Marx nom tinha maneira de percebê-lo no seu “locus” de enunciaçom. Mataríamos o método marxista em nome das conclusons marxianas como se mata umha escola de combate ao fechar-se nas técnicas concretas do fundador no canto de adaptar à luita os seus princípios.

Aproveitando a enésima caricatura do “bon sauvage” que apresentam as americanadas O último samurai e Dançando com lobos, invoca o companheiro Maurício o “anticapitalismo romántico” que categorizara Lukács para atribuir-lho a todo o pensamento que, desde a esquerda, questione a classe operária como único sujeito messiánico numha história ascendente kantiana. É umha mágoa que ignore na referência aos filmes a obra Orientalismo de Edward Said. Mas ele nom praticava o seu estilo, claro. Por isso volta a errar na análise, como errárom os praticantes de Wing Chun Kung Fu que pretendérom vencer em MMA prescindindo das técnicas de luita de solo brasileiras. Co tempo, as derrotas sucessivas provocárom que alguns mesmo criassem um Wing Chun Anti-Chao repetindo técnicas concebidas para luita de pé, mas deitados. A tradiçom da forma (em vez dos princípios) por cima da efetividade no combate. Sensaçom semelhante à que nos deixa o companheiro Maurício depois da cita bíblica que justifica todo o artigo: “De modo dialético, ela (a burguesia) converteu-se no seu contrário umha vez instalada no poder, criando a sua própria negaçom ao “produzir” a classe chamada a superá-la: o proletariado. Só este, pola posiçom que ocupa no modo de produçom, pode acabar com a barbárie capitalista e liquidar as sociedades de classes.” Pois adapta-a co mesmo sucesso que os wingchuneiros ao combate de solo: “Tal nom significa que, em nome de um universal abstrato (a classe), se neguem as múltiplas opressons realmente existentes no capitalismo decadente. Trata-se, antes, de articular dialeticamente essa luitas com um objetivo globalmente unitário e revolucionário.” Quer dizer, unitário mas co proletariado abstracto como guia manifestado numha vanguarda porta-voz e nom materialmente obreira na realidade, já… E dado que o companheiro Maurício fala de idealismos e essencialismos. Nom o é acreditar que um funcionário espanholfalante de 3000 euros mensais e umha telefonista negra lusófona de contrato semanal e 500 ao mês, com dous filhos, constituem mecanicamente um sujeito histórico? Segundo a tradiçom Shotokan ela terá que ceder na defesa da sua negritude, da sua opressom como mulher e mesmo na defesa da nossa língua para ajustar-se ao esquema da uniom e preferência da classe operária idealizada nos kata Heian.

Por isso a resposta que karatekas, aikidokas e taekwondoins “puros” adoitam oferecer quando um lhe pede exemplos de luitadores dos seus estilos vitoriosos nos confrontos de MMA actuais se parece tanto à dos marxistas “puros” sob a mesma questom. Chávez? Evo? O zapatismo? Correa? MORENA? Os curdos? Os Kischner? Mujica? Lula?.. Nom, o mestre Matsumura que matou quatro dum golpe há douscentos anos, Ueshiba que venceu um tigre na guerra de Manchúria, etc.

Antes da estandarizaçom japonesa do Karate, os mestres de Okinawa combatiam sem regras entre si e privadamente nos chamados “trocos técnicos”. Eram conscientes de que cumpria o enfrentamento e a absorçom de técnicas do contrário para provar e enriquecer os princípios da escola. Abofé que Marx também o cria. Hoje todos os desportos de contacto modernos som devedores da interacçom entre eles. O Sandá chinês e o Muay thailandês bebêrom do boxe e entre si, como deles bebérom as MMA numha relaçom dialéctica e em contínuo movimento. Prescindir do confronto teórico e da subsunçom das achegas de Foucault, Sartre ou Walter Benjamin e toda a Escola de Francfurt por nom pertencerem à tradiçom do Taekwondo ITF mas à do WTF, nom só é suicida no intelectual, também anti-dialéctico e anti-marxista no mais puro sentido da palavra. Reduzi-los à caricatura para parodiá-los nom é vencê-los, é vencer-se. Apenas pode resultar compreensível desde a comodidade identitária do “luitador” que refuga o combate recriando-se na tradiçom repetitiva ao ar que originou um mestre invencível num passado remoto. Porque velaí, negar que trabalhos nom remunerados como a escravitude racializada e os cuidados domésticos feminizados som tam constitutivos do capitalismo como o trabalho assalariado fabril e igual de importantes na sua superaçom (Quijano, Federici); negar que o capitalismo é um sistema-mundo-civilizaçom com diferentes fases desde o século XV e imposto desde a Europa sob umha matriz colonial de poder (Wallernstein, Dussel, Grosfoguel); negar as relaçons centro-periféria (Harvey, Amin, Marini) atribuíndo-lhe ao capitalismo japonês um carácter autogenerativo e teleológico; negar mesmo o campesinado como classe revolucionária (Mao, Mariátegui, Guevara…) implica combate: a argumentaçom e exemplificaçom da crítica a partir dos príncipios da escola, nom a simples repetiçom das técnicas rígidas memorizadas sem rival e a ridiculizaçom do outro dentro do próprio dojo. Nem umha miríada de citas a patriarcas deificados vale o que um só argumento bem razoado e exemplificado ou um golpe ou lance bem conectado.

Na actualidade, nas artes marciais “clássicas” existe um divórcio entre katas/pumses/taolu (sucessom de técnicas “centenárias” ao ar, celme dos sistemas) e combate. Isto acontece porque os transmissores dos estilos decote nom recebérom na ensinança a sua aplicaçom (bunkai) e porque as regras do combate desportivo pouco tenhem a ver com umha briga real. Do mesmo jeito, muita gente desconhece que O Capital apenas é umha parte da obra que Marx tinha pensado dedicar à análise do capitalismo num projecto maior, cujo seguinte capítulo seria a política. Por isso “classe” é umha categoria apenas económica em Marx, nom política. Isto acontece precisamente pola transmissom, os comunistas de princípios do XX nom tinham acesso às cartas e manuscritos nom publicados de Marx. Consagrárom o existente como obra finita e criárom tradiçom. Por exemplo: Marx nunca falou da estrutura e superestrutura da que tanto gostou à escolástica soviética posterior. Hoje sim que conhecemos muitos desses textos, como sabemos de muitas das aplicaçons dos katas e nom, nom coincidem coas interpretaçons “clássicas”. Som muito mais “brutais” e flexíveis porque nom buscavam indentidades de grupo isoladas e saudosas senom vitórias no real. Curiosamente, essa aplicaçom redescoberta das katas quadra decote co que se vê nos combates de MMA. E é que, ao cabo, a questom é saber aplicar os princípios, nom só repetir as formas.

Desgraçadamente, o practicante de Wushu moderno que chouta e imita o mono no taolu (forma) emprega o boxe no sandá (combate) e nengumha das aplicaçons das técnicas dançadas. Também os mais dos “leninistas puros” do presente citam a Marx e envolvem-se em bandeiras vermelhas enquanto praticam socialdemocracia eleitoralista no real. Afortunadamente, nom é esse o caso do companheiro Maurício, por isso sei que há valorar esta resposta construtiva ao seu artigo.