Por Helen Yaffe (traduçom do galizalivre) /

 

No dia 22 de julho, mais de 600 delegadas da Assembléia Nacional do Poder Popular de Cuba, o máximo órgao de decisom do país, aprovárom o esboço dumha nova Constituiçom depois de dois dias de debate nos que intervírom mais de 100 delegadas. Agora a Constituiçom será distribuída por toda a ilha e entre meados de agosto e meados de novembro a populaçom debaterá-a em reunions de base, comunidades e centros de trabalho e estudo. Logo umha segunda versom da Constituiçom incorporará as opinions expressas na consulta popular. Após a aprovaçom desta segunda versom pola Assembléia Nacional, a nova Constituiçom será submetida a um referendo nacional com votaçom secreta, provavelmente a começos de 2019.

O carácter socialista do sistema cubano e o papel do Partido Comunista Cubano (PCC), como líder ideológico do país, continuam a ser “princípios escritos em pedra”. No entanto, umha cláusula da Constituiçom de 1976 sobre o objectivo final da construçom umha sociedade comunista é omitida do esboço. “Isso nom significa que renunciemos às nossas idéias”, dijo o presidente da Assembléia Nacional, Esteban Lazo. Na época da Constituiçom anterior, um terço da populaçom mundial vivia sob regimes socialistas. Hoje Cuba está quase isolada como país a construir o socialismo. Em tais circunstâncias, a ideia dumha transiçom do socialismo para o comunismo é abstrata e remota. “Acreditamos num país socialista, soberano, independente, próspero e sustentável”, explicou Lazo. As empresas estatais continuarám a ser a base da economia. Haverá limites para a concentraçom da propriedade privada. O acesso à sanidade e à educaçom permanecerá livre e universal. Novo na Constituiçom é umha defesa do meio ambiente e a necessidade de mitigar as mudanças climáticas. Outros artigos som direitos que o Estado cubano trabalhará para poder fazer viáveis, e alguns exigem legislaçom posterior.

O reconhecimento na nova Constituiçom da empresa privada e a necessidade de investimento estrangeiro tornárom-se o foco da mídia internacional. Essa mudança concorda com o processo de reestruturaçom econômica em curso em Cuba desde 2011 e com os desafios de desenvolvimento que a ilha enfrenta como um país pequeno, comercialmente dependente, sub-desenvolto, perseguido por um bloqueio punitivo e implacável dos EUA, tentando construir o socialismo num mundo globalizado capitalista. Cuba precisa de capital para investir na sua infraestrutura produtiva e nom pode obtê-lo internamente. Portanto, o capital deve vir de fora; através de investimento direto estrangeiro ou remessas a indivíduos. Daí a necessidade de codificar a aceitaçom do investimento estrangeiro e da empresa privada na Constituiçom.

Os trabalhos na nova constituiçom estám em andamento desde 2013, apenas dois anos depois da adopçom das “Diretrizes para a atualizaçom o modelo econômico e social”. Quase 9 milhons de cubanas (dumha populaçom de 11,2 milhons) participárom de debates sobre estas Diretrizes antes de serem aprovadas polo 6º Congresso do PCC em abril de 2011. Desde entom, Cuba introduziu novas formas de propriedade e gestom, mudou a estrutura do emprego (ampliando o trabalho autônomo, capacitando pequenas empresas e criando cooperativas nom agrícolas), removeu algumhas restriçons nos intercâmbios comerciais e procurou aumentar o investimento estrangeiro. Renovando as Diretrizes no 7º Congresso do PCC em abril de 2016, Raúl Castro declarou: “Tudo o que temos feito deve estar reflectido na Constituiçom”.

Hoje, 600.000 cubanas trabalham no setor privado, perto de 13% da força de trabalho. Em abril de 2016, Raul Castro reconheceu tanto as preocupaçons que isso provoca quanto as suas conseqüências nom planejadas: “O reconhecimento da existência da propriedade privada gerou mais do que algumha sincera preocupaçom das participantes nas discussons anteriores ao [7º] Congresso, que expressárom a preocupaçom de que ao fazê-lo estaríamos dando os primeiros passos para a restauraçom do capitalismo em Cuba … Tenho o dever de afirmar que esse nom é, em absoluto, o propósito dessa idéia. O aumento do trabalho autônomo e a autorizaçom para contratar umha força de trabalho levárom, na prática, à existência de empresas privadas de tamanho médio, pequeno e microempresas que hoje operam sem um status legal adequado e som reguladas pola lei por um marco regulatório desenhado para indivíduos envoltos em pequenas empresas conduzidas pola trabalhadora e a sua família.” A nova Constituiçom reconhecerá a iniciativa privada, permitindo que a legislaçom seja introduzida para controlar a sua expansom.

Ao contrário das manchetes sensacionalistas da mídia, nem a propriedade privada nem o investimento estrangeiro som novos na Cuba socialista. A primeira Constituiçom do governo revolucionário de 1976 estabeleceu que todas as terras pertencem ao estado, excepto as propriedades de pequenas agricultoras privadas e cooperativas agrícolas, perto do 20% das terras aráveis. Em 1982, o investimento estrangeiro foi aprovado pola primeira vez para empresas conjuntas com o Estado cubano. Após o colapso do bloco socialista, em 1992, a Constituiçom foi alterada para dizer que a propriedade estatal obrigatória se aplicava apenas aos “meios fundamentais de produçom”. Em 2014, foi implementada umha nova Lei de Investimentos Estrangeiros. Desde 1993, 67% da producçom agrícola tem sido realizada no sector nom estatal. Enquanto isso, 85% das cubanas som proprietárias de imóveis, aumentando para 96% em Havana.

O sector privado será rigidamente controlado e refreado sempre que solapar os interesses do desenvolvimento nacional. Prova disso foi em agosto de 2017, quando a emissom de licenças para o trabalho autônomo foi paralisada. As autoridades analisando o impacto do trabalho autónomo trabalhárom para criar um quadro legislativo adequado para aplicar a fiscalidade, impedir práticas de exploraçom e concentraçom de riqueza e reforçar os mecanismos para garantir que os lucros privados tenham benefícios sociais. A partir de 8 de outubro de 2018, o processo de emissom de licenças será retomado, mas com maiores restricçons a empresas privadas existentes e novas; por exemplo, apenas umha licença será concedida a cada cubana para trabalho privado. As concessons de impostos anteriormente concedidas a quem contratar mais de cinco trabalhadoras serám removidas. As transacçons financeiras devem passar por umha conta bancária. Outras medidas irám reprimir a evasom fiscal.

A nova Constituiçom também introduz mudanças políticas e institucionais para dar maior autonomia e autoridade aos municípios, fortalecendo a relaçom entre as pessoas e os representantes que elas elegem diretamente. As Assembléias Provinciais serám, abolidas, substituídas por Governadoras e Conselhos Provinciais, compostos de presidentas municipais e líderes dos conselhos administrativos municipais. O objetivo é descentralizar e agilizar a autoridade, para melhorar a eficiência administrativa.

Poder e responsabilidade estarám mais equilibrados na cúspide do governo. Criarám-se os novos cargos de Presidenta e Vice-Presidenta da República. Até agora, havia umha presidenta do Conselho de Estado. A Presidenta da República presidirá ao Conselho de Estado, enquanto a Primeira Ministra (designada pola Presidenta e aprovada pola Assembleia Nacional) presidirá ao Conselho de Ministras. Haverá também um novo Conselho Nacional Eleitoral. Estes cargos serám eleitos pola Assembleia Nacional, composta por delegadas representando toda a populaçom. Haverá restriçons de idade, limites de mandato (post presidencial) e maiorias de votos necessárias. O outro posto de poder continuará a ser a Secretaria Geral do PCC, cargo que Raúl Castro provavelmente manterá até 2020.

A nova Constituiçom tem mais detalhes sobre os direitos e responsabilidades da cidadania cubana. Codifica o direito à igualdade, sem discriminaçom em razom do sexo, orientaçom sexual, deficiência ou qualquer outra forma “prejudicial à dignidade humana”. A liberdade religiosa e o direito de mudar de religiom serám protegidos. O casamento será reconhecido como “entre dois indivíduos”, em vez de “um homem e umha mulher”, apoiando o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mariela Castro, directora do Centro Nacional Cubano de Educaçom Sexual, e ativista dos direitos LGBTQ + em Cuba, celebrou estas medidas dizendo que reflectem “a maturidade alcançada polo processo revolucionário”.

Apesar das distorçons que aparecem nos meios de comunicaçom estrangeiros na sua maior parte hostis, esse processo demonstra o compromisso duradouro da Revoluçom Cubana na construcçom do socialismo e o grau de participaçom democrática que isso acarreta.

Agosto / Setembro de 2018

Este artigo foi ligeiramente alterado em 14 de agosto de 2018, após alguns esclarecimentos de Peter Roman.

*Publicado originariamente em revolutionarycommunist.org