Adaptaçom ortográfica do galizalivre /

Agressons por razom de língua passaram inadvertidas nesses centros de ensino, hoje tam sensíveis a outro tipo de assédios.

Ugio foi educado com carinho e em galego pola sua mãe, polo seu pai e os seus avós. Na vila onde mora isto nom é o habitual e hoje na escola Ugio é o único galegofalante da sua turma. Falar galego, porém, nom é motivo de orgulho para ele. Com o tempo que vai passando e se achega a adolescência as chanças dos colegas vam-se fazendo cada vez mais cruéis. Um dia jogando ao futebol no pátio Ugio fijo uma falta e o outro chamou-lhe “gallego”. Ugio está a piques de mandá-lo tudo a passeio e começar a falar em castelhano como o resto. Assim e tudo, Ugio considera-se um afortunado. Sobretudo quando pensa na sua irmã Olalha, tam galegofalante como ele, que ao pôr o primeiro pé na escola nem se atreveu a dizer uma palavra em galego com as colegas, dado o panorama que ali percebeu. Intuiçom feminina, com certeza.

Isso de nom falar galego é com os colegas, claro. Como os professores é outro conto porque Ugio, que nom é parvo, sabe de que vai cada um. Estes dias anda a elaborar uma listagem para lembrar com quais pode falar em galego, como gosta e com quais melhor nom. Nom vaia ser que lhe volte a passar o daí atrás quando um dos profes mais linguateiros do liceu lhe espetou aquilo diante de toda a turma: “E tu, é que és mui despistado pola tua forma de ser ou é que falas gallego e te avergonha?”. Isso: melhor mimetizar-se como o ambiente como o camaleom e falar como todo cristo.

O que nom sabe Ugio é que o seu companheiro Abel está mui pendente de todo o que ele fai. Abel é um dos que nom se mete com Ugio por falar em galego. Todo o contrário. É mais, às vezes até o defende perante doutros: “é um rapaz como nós, nom?”. E é ainda mais: a Abel também lhe falam às vezes galego na casa e ele gostaria sair do armário e começar a fala-lo no liceu, mas nom se atreve por medo. Abel está à espreita do que poida suceder com o Ugio, que é a sua referência. É quando Ugio torna finalmente para o espanhol Abel sente mágoa, raiva e decepçom. “Perder um galegofalante assim é mui duro. Já poucos ficam!”. Abel terá que aguardar até perder de vista o liceu para sacar o que leva dentro e começar a falar em galego com os amigos e com as amigas.

A Amaro e a sua irmã Ângela passou-lhes um pouco o mesmo. Começaram falando em galego na escola e tiveram que mudar de língua com o tempo. Amaro suportou dos companheiros o alcume de Falagalego durante vários anos, após ter deixado de fala-lo. A nena Ângela via impossível integrar-se enquanto fala-se galego, e nom porque as suas amigas nom a entendessem, que algumas delas até tiravam boas qualificaçons na cadeira. Era por outra cousa, a verdade bastante inexplicável. Anos depois de deixar de falar galego na escola e mantê-lo na família, umas engraçadas desalmadas perguntaram-lhe no pátio do liceu se era certo que andava por ai fazendo isso de falar galego. Ângela respondeu-lhes em espanhol, mas com o orgulho da sua língua oculta. Falou-lhes com paixom da cultura galega, da língua, do perigo de que se perde-se e de todas as valiosas e cultíssimas ideias que mamara na casa e que ela defendia. “Por isso som galefofalante”, concluiu. Dos insultos que lhe choveram ainda hoje prefere nom lembrar-se.

Helena foi a primeira castelhano-falante da sua estirpe. Educada em galego, decidiu, sabe deus por que mecanismos inconscientes, nunca falar esta língua. Era a nena castelhano-falante na família galego-falante, suponho que lhes soa este caso típico. Mas com a adolescência chegou a consciência e, mui devagar, o seu yo começou a mudar cara um eu. Um dia ia para a praia com as amigas do liceu e viu uma placa de sinalizaçom que punha Camino de Santiago. “Caminho. Devia ser “caminho”, tivo a imprudência de dizer. As amigas olharam para ela: “Helena, aqui no nos gustan esos radicalismos”. Helena nom deu o passo definitivo de abrir a porta do armário da língua até vários anos depois, bem entrado segundo de Bacharelato, poucos meses antes de dizer-lhe adeus ao sistema escolar e, de passo, às amigas.

As de Ugio, Olalha, Abel, Amaro, Ângela e Helena som histórias duras e o mau é que som certas. E o pior é que há mais, muitas mais, nesse tempo e lugar. O tempo nom é há sessenta anos. Tudo isto é mais que nom se conta sucedeu há menos de dez. E tudo aconteceu arredor duns centros educativos nom especialmente beligerantes contra o galego, em geral e tirando excepçons de docentes que si pudessem se-lo. Mas por uma ou outra razom as agressons por razom de língua passaram inadvertidas nesses centros de ensino, hoje tam sensíveis a outro tipo de assédios.

O dia que sejamos capazes de detetar, reconhecer, estudar e interpretar estes dolorosos microprocessos que nos dessangram estaremos mais perto de compreender por que os e as adolescentes abandonam em massa a nossa língua e por que as mamãs e os papas, o pensam duas vezes antes de transmitir-lhes o idioma às crianças. O dia que sejamos capazes de desmascarar o sinistro funcionamentos dessas correntes de poder que circulam ao longo da nossa sociedade -e que fluem tam intensas nos centros de ensino- estaremos mais perto de pôr-lhes freio. Esse dia, se chegar, deixará de haver ananos que com cordas invisíveis agrilhoem o corpo dos gigantes.