Por David Rodríguez /

Pouco queda por dizer sobre a questom do chalet de Pablo Iglesias e Irene Montero. Escreveu-se já umha enxurrada de tinta. Entre eles, muitos artigos que analisam com gram lucidez o assunto.

Porém, ainda é possível aprender algo mais a partir desta questom.

A apariçom de Podemos trouxo consigo, dentro do que era a esquerda espanhola, algumhas novidades. Dentro dessas novidades, duas relacionadas entre si: a atençom à ideia de hegemonia e a articulaçom dum projecto nacional-popular espanhol.

A ideia de Hegemonia manejada polos podemitas consiste na releitura de Gramsci feita por Ernesto Laclau e Chantalh Moufe. É este um Gramsci desmaterializado, em que as classes sociais jogam um papel secundário e no que a Hegemonia consiste apenas no bom manejo do discurso e na crença de que a capacidade performativa do lingüístico é suficiente para “criar povo”.

Mália a sua retórica popular, esta concepçom da política como relato é bem elitista e entronca mais co textualismo derridiano que co pensamento do sardo. Parte também dumha concepçom liberal da política em que as elites “que sabem”, que disponhem dumha capacidade extra-ordinária para ler o momento histórico e as “fiestras de oportunidade”, “movem ficha” como se a acçom política se tratasse dum jogo de tabuleiro entre ilustres.

Nesta concepçom da política, a Hegemonia consiste, unicamente, no domínio da retórica alá onde se crer que se disputa o sentido comun: os platós de televisom. Consequentemente, para esta visom da Hegemonia, o intre em que a política capta toda a atençom das câmaras —o momento eleitoral— é o mais importante. É aí quando cumpre afinar as metáforas, as arengas, as promessas, as ilusons… independentemente da capacidade real existente para que estas se cheguem a realizar.

Frente a esta ideia de Hegemonia, a visom de Gramsci entende que aquela é inseparável dumha cultura material de vida. O novo sentido comum chamado a constituir-se em contrahegemónico deve conformar-se nom através do discurso das elites senom através da prática das massas. Umhas massas que, na sua vida quotidiana, e por meio da sua reflexom sobre ela co fim de dirigi-la, se erigem em intelectuais orgânicos e vam dando forma ao novo movimento. A contra-hegemonia é, pois, umha nova ordem moral que desenvolve umha nova maneira de viver. Nom é discurso, é prática. Umha prática que nom tem por que ser heroica, pura (as práticas puras só se dam nas elucubraçons discursivas dos que, apenas linguisticamente, idealmente, separam os que som casta dos que nom o som e impartem liçons de ética a eito) senom umha prática que se sabe imperfeita e que se vai aperfeiçoando a si mesma no seu próprio despregar-se.

Com a concepçom de hegemonia de Gramsci na mao é fácil compreender o grave erro que supom a compra do famoso chalet pola parelha dirigente da formaçom morada. O gesto, longe de encarnar umha moral alternativa assume um dos rasgos centrais do sentido comum da Espanha centrada no modelo produtivo do tijolo (precisamente o impugnado por movimentos coma o 15M ou a PAH).

A nom atençom à questom que comentamos é o que outorga coerência à decisom de Iglesias/Montero: posto que a prática de vida é secundária, posto que o importante é o discurso, a oratória e os marcos lingüísticos, o único que resta, depois da compra do chalet, é “criar novos relatos” (o acosso da direita à vida privada etc.) que ajudem a que a decisom de nom diferenciar-se em nada do tipo de aspiraçons, expectativas e vida quotidiana da classe média-alta da Espanha turístico-inmobiliária seja aceitada polas “bases”. Umhas bases que, em coerência também com esta visom da política, apenas estám aí para ratificar, outorgando ao tempo umha sorte de salvoconduto ético, as decisons previas dos líderes.

O mesmo sucede quando atendemos à questom da criaçom do nacional-popular espanhol. O manejo do gramscismo laclauniano fijo-lhes crer aos podemitas que também era possível tirar da nada umha discursividade espanholista de novo cunho sem atender à historia recente desse espanholismo e à sua materialidade —que nom é outra que a das classes ligadas ao capital financeiro-rendista radicado nesse gram burato negro que é Madrid e a sua desértica periferia imediata—. Assim como ao papel que joga na dialéctica geográfico-nacional do Estado espanhol, onde esse espanholismo convive com outros nacionalismos alternativos, sustentados também noutras materialidades, que, quando as contradiçons apertam como nesta crise sistémica que vivemos, som aliadas inevitáveis para qualquer bloco social que pretenda remover os alicerces nos que se sustenta o regime borbónico que deu continuidade, sem soluçom antifascista polo meio, ao franquismo.

Assim, em suma, a coerência de Iglesias é digna de ser ressaltada. Pensa que se pode construir um movimento de massas que encarne umha alternativa ao espanholismo rendista dominando as técnicas da comunicaçom mediática e parece-lhe secundária a base material e o tipo de vida que deve sustentar esse novo movimento nacional-popular.

Está equivocado. Mas olha, o tipo é coerente.