Por Isaac Lourido /

Um sugestivo artigo publicado por Paulo Painceiras no Novas da Galiza hai pouco mais de um ano, em janeiro de 2017, aproveitava a estreia da obra de teatro Goldi Libre para reivindicar o movimento galego contra o serviço militar obrigatório desenvolvido em finais do século XX. O autor punha o foco nos problemas que enfrentam os nossos movimentos nom só para assumir sem derrotismo os ziguezagues da sua história, senom também para pôr em valor os processos militantes de que podemos tirar resultados mais positivos, como este da insubmissom.

O caso é que Goldi Libre, que surge no criadeiro teatral Berberecheira promovido pola companhia Chévere, após ser representada nos principais teatros galegos – e ainda em alguns fora das nossas fronteiras –, continua a rolar por vilas e cenários mais pequenos. Às vezes integrada em programas de eventos mais alargados ou com abertura para colóquio com o público após a encenaçom, como aconteceu em Cedeira hai pouco no âmbito de umhas jornadas sobre a memória histórica organizadas polo concelho.

A obra é um interessante exercício de teatro-documento em que César Goldi, único ator no cenário, dramatiza a sua própria experiência no ativismo anti-militarista, que o levou a cumprir pena de prisom na década de 1990. Apesar das dificuldades para dominar o espaço cénico e para manter a tensom narrativa em determinados momentos, Goldi reconstrue com eficácia – também com sentido do humor e capacidade crítica– o conjunto de elementos que condicionaram a sua trajetória pessoal naquele período: o ambiente político da Compostela da altura, os horizontes do movimento estudantil, a diversidade e complexidade dos posicionamentos das diferentes famílias da esquerda galega perante o serviço militar, a consolidaçom dos ditos novos movimentos sociais, a tensom constante entre o pessoal e o político ou, no que diz respeito ao movimento insubmisso, a pluralidade de discursos e possibilidades estratégicas que fôrom ensaiadas numha ou outra época.

Embora a peça assuma esta dimensom histórica, nom faltam nela perguntas, dúvidas e debates ainda importantes na definiçom do nosso pensamento e das nossas práticas radicais. A questom que Goldi Libre enfrenta de maneira mais frontal é a tensom entre a épica com que os movimentos costumam construir a sua história – e o artigo de Painceiras parece inscrever-se nessa linha – e umha ética pessoal derivada da experiência militante que, com frequência, se afasta dos relatos coletivos. A distancia crítica que Goldi (ator e personagem) assome de princípio a fim da obra, razoada nos últimos minutos como consequência do desgaste e da pressom contextual, evita que romantizemos a experiência carcerária e que vejamos no protagonista um herói romo, perfeito e sem fendas, se bem que nos aproxima em demasia, mas com honestidade, do ceticismo derrotista.

Outro plano da peça que ainda nos interpela é o das relaçons que o soberanismo galego estabeleceu com o movimento antimilitarista (e, como derivaçom nom exatamente coincidente, com o pacifismo). O relato de Goldi é sensivelmente crítico com o nacionalismo em vias de institucionalizaçom e inclemente com o independentismo, por motivos vários e bem conhecidos: a incorporaçom tardia ao processo reivindicativo, as tentativas de controlo e cooptaçom, a preeminência do vetor anti-espanhol sobre todos os outros e, fundamentalmente, a incompreensom ou incompatibilidade com os princípios e valores de um movimento em que a matriz libertária mantivo sempre o seu peso.

Em parte por ser umha obra que nom procura adesons incondicionais, Goldi Libre tem ainda o mérito de suprir o silêncio que a história oficial e académica tem dedicado às nossas últimas quatro décadas, e de maneira ainda mais gritante à história dos movimentos sociais críticos. Só algumhas experiência artísticas isoladas como esta sobre a que hoje refletimos ou o percurso descontínuo dos coletivos de base, muitas vezes no âmbito da história local, parecem mostrar-nos o caminho de umha tarefa que seja ao mesmo tempo contra-história, altifalante e ferramenta para a construçom de um futuro radicalmente diferente.