Por Bobby Sands /

O meu avô dixo-me umha vez que capturar umha cotovia é o crime mais vil, porque a cotovia é um dos maiores símbolos de liberdade. Ele falava quotidianamente do espírito da cotovia e contava a história de um homem que encerrara umha das suas amiguinhas numha gaiola.

A cotovia, privada da sua liberdade, deixou de cantar, já nom tinha motivos de alegria. O homem que cometera tal atrocidade, como costumava chamá-lo o meu avô, queria que a cotovia figesse a sua vontade, queria que cantasse o melhor que sabia para o comprazer.

Como a cotovia ainda nom cantava, o homem zangou-se e pujo-se violento. Continuou a pressionar para que cantasse sem resultado e decidiu tomar medidas mais drásticas. Cobriu a gaiola com um lenço preto para lhe tapar a luz do dia. Deixou-na morrer de fame e apodrecer naquela gaiola e a cotovia continuou sem cantar. O homem matou-na.

Como dizia o meu avô, a cotovia da história representa o espírito da liberdade e da resistência. Queria ser livre e preferiu morrer antes que se submeter aos desejos do tirano que tentou mudá-la por meio das torturas e a prisom. Sinto que tenho algumha cousa em comum com esse pássaro e a sua tortura, com o seu encerro e assassinato. Tinha um espírito que nom se encontra facilmente, nem sequer entre nós, os chamados seres superiores, os humanos.

Pensemos no caso de um preso comum. O seu objetivo principal é fazer a sua estadia em prisom o mais levadeira possível. O preso comum nom vai fazer nada que ponha em perigo um só dia de reduçom de condenaçom. Alguns mesmo estám dispostos a humilhar-se, arrastar-se e delatar outros presos para se protegerem ou para ganharem mais dias de reduçom. Acedêrom aos desejos dos seus carcereiros e, ao contrário que a cotovia, cantarám quando lhe-lo mandarem e saltarám alto quando lhe-lo pedirem.

Apesar de que o preso comum está privado de liberdade, nom está preparado para chegar a verdadeiros extremos para recuperá-la nem para defender a sua própria dignidade. Adapta-se para obter a licença quanto antes e, finalmente, se passar o tempo suficiente em prisom, acaba alienado. Começa a fazer parte da maquinaria institucional, deixa de pensar por si próprio e os seus guardas controlam-no. No conto do meu avô, esse era o destino que aguardava à cotovia, mas ela nom queria mudar e morreu para demonstrá-lo.

O que me leva diretamente à minha situaçom: tenho algo em comum com esse pobre pássaro. A minha posiçom é a contrária de um preso comum que aceita as regras. Eu som um preso político, um combatente pola liberdade. O mesmo que a cotovia, eu luito pola liberdade, nom só em prisom, onde agonizo, mas também fora, onde o meu país ainda é prisioneiro. Prendêrom-me e metêrom-me em prisom mas eu, como a cotovia, vim o exterior da gaiola de arame.

Agora estou nos Módulos H, onde me nego a mudar para satisfazer as demandas dos meus opressores, que querem torturar-me e arrancar-me a minha humanidade. Como a cotovia, eu nom preciso mudar. É a minha ideologia e os meus princípios o que os carcereiros querem mudar. Malham no meu corpo e atentam contra a minha dignidade. Se fosse um preso comum prestariam-me muito pouca, por nom dizer nengumha atençom, porque saberiam que me adaptaria aos seus caprichos institucionais.

Já perdim dous anos de reduçom de condenaçom e nom me importo com isso. Tirárom-me a minha roupa e fechárom-me numha cela fedorenta e vazia, onde esfameio, padeço espancamentos e torturas, e temo que acabaram matando-me, como a cotovia. Mas podo dizer que, como a minha amiguinha, possuo o espírito da liberdade e nem o pior dos maus tratos pode destruí-lo. É certo que me podem matar, mas enquanto continue vivo, continuo a ser quem som, um prisioneiro de guerra político e ninguém pode mudar isso.

E logo nom tivemos umha cheia de cotovias para o demonstrarmos? A nossa história está salpicada com o seu sangue: os MacSwiney, os Gaughan, os Stagg… Haverá mais nos Módulos H?

Nom quero concluir sem rematar a história do meu avô. Umha vez perguntei-lhe o que acontecera com o homem malvado que capturara a cotovia para torturá-la e assassinála.

“Verás, filho”, dixo-me, “um dia este homem caiu numha das suas próprias armadilhas e ninguém lhe ajudou a soltar-se. Os seus próprios paisanos figérom-lhe burla e virárom-lhe as costas. Ele tornou-se cada vez mais fraco até que finalmente caiu ao chao e morreu na mesma terra que emporcara com tanto sangue. Os pássaros achegárom-se e vingárom-se dele peteirando-lhe os olhos, e as cotovias cantárom como nunca antes o figeram”.

“Avozinho”, dixem eu, “pode ser que o nome desse homem fosse John Bull?”

* O passado 5 de maio foi o cabodano de Bobby Sands. Morreu em 1981 depois 66 dias de greve de fame. Durante o seu cativeiro escreveu este texto. Texto publicado o 3 de fevereiro de 1979 no jornal An Phoblacht/Republican News, e traducido ao galego por Patricia A. Janeiro.