Por Jorge Paços /

« Os mandamentos de Marcos fora da igreja som seis : fazer a todos justiça, nom casar-se com ninguém, falar o galego enxebre, cumprir com o que manda a lei, luitar polo nosso adianto com entusiasmo e com fe, vestir calçons e monteira »

Nesta semana cumprírom-se 142 anos da saída do prelo do primeiro jornal monolíngue em galego e no passado sábado, com tal motivo, A Associaçom de Meios em Galego celebrou um encontro em Fene.

O Tio Marcos d’a Portela foi mais um exemplo onde o galeguismo cultural se mostrou com toda a sua mestria mas, a diferença de muitas outras iniciativas, acadando dimensom de massas e veneraçom popular no ámbito labrego. O Tio Marcos foi ferramenta de primeira orde na dignificaçom do campesinado e, portanto, da rejeiçom da cidadania de segunda que Espanha historicamente reservou para galegas e galegos.

A derrota político e militar da nossa causa na Revoluçom de 1846 levou, duas décadas depois, a umha reorientaçom do galeguismo num senso cultural e maiormente erudito. Num ciclo mui fértil que atinge o resgate historiográfico de Murguia, a vindicaçom popular de Rosalia e a mitologia épica de Pondal, a nossa naçom pujo em andamento a sua grande andamiagem ideológica e simbólica. Nesta jeira temos que enquadrar o labor precursor de Valentim Lamas Carvajal, um médico de Ourense fanado pola cegueira devotado a pôr o galego na imprensa e o labrego na primeira linha da denúncia.

Primeiros passos.

Em Fevereiro de 1876 via a luz pola vez primeira O Tio Marcos d’a Portela, doravante com a legenda -a modo de editorial- « Parrafeos c’o pobo gallego ». Editava-se na Rua Lepanto da cidade das Burgas e nom demorou em se fazer semanal, dado o seu sucesso. 4000 exemplares circulavam semanalmente de Ortegal ao Minho, numha populaçom com altas taxas de analfabetismo (pensa-se que era também lido em voz alta polo membro letrado da família ou da vizinhança). O galego popular -nomeadamente ourensano- ganhava um espaço inédito na letra impressa ; também os ditos labregos, o refraneiro, e umha forma de denúncia retranqueira que possibilitou ganhar um público amplíssimo.

Na crónica deficiência de recursos materiais dos projectos pró-galegos, O Tio Marcos viu-se na obriga de despedir-se dos leitores em 1880, mas em 1883 voltou à rua com novo pulo. Sobreviviria até o ano 1889, somando um total de dez anos batalhando a favor da língua, contra o caciquismo e os desprezos à Galiza. O seu eco foi tal que um sector regionalista das Irmandades da Fala, dirigido por Xavier Prado « Lameiro », ainda o resgataria em 1917, dando-lhe umha singradura de dous anos, mas já nas chaves de outra época e à margem do nacionalismo organizado.

Luita identitária e direitos cidadaos.

Com umha actualidade que ainda nos entristece, O Tio Marcos (um petrúcio aldeao por trás do que se agochava o próprio Lamas) perguntava-se porque todos os povos tenhem a gala falar a sua língua, enquanto o povo galego «se envergonhava dela ». Umha aposta identitária sem ambages nem bilinguismos, e que ainda se ampliava à vestimenta. Pois numha época histórica na que as étnias europeias se diferenciavam pola sua feiçom, o Tio Marcos reclamava-se homem de « calçons e monteira, a tal um galego enxebre do século XVII ».

Embora dumha posiçom ideológica conservadora, Lamas era consciente que a negaçom da cultura dos galegos e galegas, o seu rebaixamento espiritual, tinha o propósito de marginar e consumir a nossa Terra, permanentemente esquecida dos planos de reforma sócio-económica espanhola. Marcos aguilhoa permanentemente o desprezo estatal pola Galiza, agravado por cargas impositivas impagáveis ; analisa o caciquismo como peça local básica do nosso bloqueio político, e combate com retranca e acidez os maus hábitos que nos levam à destruçom como povo. « Na Galiza a má erva cresce que ravea », diz nos seus editoriais ; ou « na Galiza nom há homens » ; como provocaçom deliberada que procura a reacçom, Marcos submete a crítica radical a inveja, a desuniom ou a falta de espírito prático que enfraquecem o partido galego.

Precursor mediático e político.

O sucesso d’  O Tio Marcos tivo efeito inspirador para outros sectores das classes médias urbanas preocupadas com o mundo rural e identificadas com o idioma : trás o jornal ourensano, aparecêrom publicaçons em galego como A Tia Catuxa , O GalicianoO labrego ou A Monteira.

Mas a sua verdadeira herança materializará-se três décadas depois : pois os motivos ideológicos com que Lamas retratara um povo labrego consumido por cargas impagáveis, aprisionado por caciques e obrigado polo Estado a renegar da sua cultura, calhárom nesse movimento de massas chamado agrarismo. De feito, a experiência de Solidariedade Galega em 1907 tivo certa inspiraçom no legado de Lamas. A organizaçom editou um Catecismo Solidário, obra de Uxio Carré Aldao, que de maneira confessa era devedora do Catecismo do Labrego do ourensano, autêntico sucesso de vendas da literatura popular galega.