O Rally Dakar finalizou no passado sábado, dia 20 de Janeiro, na cidade argentina de Córdoba. A ediçom deste ano, ao igual que vem sucedendo desde 2009, foi disputado em América do Sul, em concreto, os participantes percorreram perto de 9.000 quilômetros entre as cidades de Lima e Córdoba ao largo de territórios de Peru, Bolívia e Argentina, atravessando geografias e climatologias extremadamente adversas.

Um total de 525 participantes registrados entre as categorias de motos, automóveis, caminhaos e quads, fizeram a saída o dia 6 de Janeiro. Entre todos aqueles que decidiram empreender tal empresa há gente de diversas origens, mas todos pertencem ao clube dos aventureiros ricos capazes de transcender as fronteiras para procurarem experiências únicas e fugirem da apatia dumha vida cheia de luxos: entre os ‘aventureiros’ há emires, desportistas milionários, empresários de toda classe e grandes herdeiros de fortunas.

As origens

A origem da prova está na experiência que teve o piloto francés Thierre Sabine que se perdera no deserto do Teneré durante vários dias e considerou que era umha experiência digna de ser repetida por pilotos aventureiros a modo de competiçom. Poucos anos depois, em 1979, começou a celebrar-se esta prova, que passou de ser umha aventura entre pilotos aficionados sem apenas organizaçom, a ser atualmente o rally mais importante do planeta.

Num início, o percurso era entre as cidades de Paris e Dakar, capital de Senegal, mas co passo do tempo a prova sofreu modificaçons e em anos posteriores passou a sair de outras cidades europeias, feito relevante apenas a efeitos publicitários devido a que a verdadeira competiçom começava no continente africano. Quanto à meta, até o ano 2008 sempre foi em Dakar, com excepçom de três ocasions, que rematou em Cidade do Cabo, no Cairo e em Sharm El Sheij. Mas no ano 2008 a prova suspendeu-se devido à ameaça de Al Qaeda em território da Mauritánia e a raiz desde sucesso, a empresa organizadora ASO (Amaury Sport Organisation) decidiu transferir a prova a America do Sul, onde se celebra desde entom.

Polémicas

Mas o rally está rodeado de polemicas. Sem entrar no debate de qual é o tipo de desporto que pode ser aquele que precisa dum motor de combustom para ser praticado, com todo o que isto implica, o Dakar é fortemente criticado por diferentes motivos.

A corrida provocou inumeráveis mortes por atropelos entre a populaçom das localidades por onde decorre, nomeadamente crianças, cifra que supera já o médio cento. Também provocou grandes desfeitas do patrimônio arqueológico e danos medioambientais causados polo passo dos veículos. Entre os danos ao patrimônio, por exemplo, cifras oficiais estabelecem que em ediçons anteriores destruiu mais de 200 sítios arqueológicos apenas no Norte de Chile, tratando-se de em muitos casos, de geoglifos –figuras sobre ladeiras e planícies–, trajetos do chamado Caminho do Inca, vestígios residenciais, talheres líticos e ‘huellas troperas’. No respeitante aos danos ambientais, destaca o provocado ao deserto de Atacama, atingido gravemente naquelas zonas onde cresce a flora desértica, caso único do mundo, conhecido como o deserto florido, mas também o provocado ao deserto de Ocucaje em Peru ou ao deserto do Parque Nacional Los Cardones, em Argentina. Todo isto levou a que organizaçons ambientalistas, comunidades de aborígens, pequenos agricultores, científicos e arqueólogos levem anos protestando e denunciando os efeitos negativos do Rally.

Mas além dos impactos mencionados, um dos aspectos mais importantes é o cultural.

A conquista cultural

Apenas o capitalismo se atreveria a criar umha prova destas características: cinco centos privilegiados percorrem nove mil quilômetros para conquistar umha natureza desconhecida e selvagem.

As colônias, tanto na África coma em América do Sul, foram concebidas historicamente por Ocidente como perigosas, selvagens, remotas, incompreensíveis e irracionais e polo tanto, eram territórios que precisavam ser conquistados, e a sua populaçom domesticada. A dominaçom do Outro é um troféu antropológico. Esta é a lógica que está subjacente na organizaçom do rally Dakar, e este tipo de entretenimento é umha metáfora do modelo capitalista-extrativista exercido nos países do Sul.

A fe cega na técnica e no progresso, provocou a reduçom ontológica da natureza e do território em paisagem, da reduçom das montanhas e do deserto em matérias primas e dos rios em energia hidroelétrica. Este feito apenas é compreensível dumha óptica capitalista. E enquanto isso sucede, umha minoria privilegiada local sente-se afortunada de presenciar semelhante espetáculo.