Por Jorge Paços /

De mîn a triste Frouseyra,
que por treyçon foy vendida,
derribada na ribeyra,
que jamais se veu vencida.
Pranto da Frouseira, Anónimo.

Os eruditos debatem hoje se a execuçom de Pardo de Cela aconteceu num 17 de Dezembro ou foi, pola contra, a primeiros de Outubro. Há consenso, porém, em assinalar que foi em 1483, há justo 534 anos; como também há consenso em valorizá-lo como um ponto de inflexom: o capítulo central dum processo que supujo a definitiva morte política do Reino da Galiza.

É reconhecido entre o grande público que nos finais do século XV se inicia a “doma e castraçom” do primeiro reino occidental da Europa. Tem-se menos em conta, porém, que este reino já vivia naquela altura um longo debalar, iniciado dous séculos antes. A Galiza começava a orbitar baixo a influência política do que fora um pequeno condado esgalhado do seu tronco, Castela. Baixo o monarca Fernando III -que unifica os reinos galego-leonês e castelám em 1230- a nossa terra mantém as suas peculiaridades institucionais (como o código legal Liber Iudicium), mas o centro político afasta-se de Compostela. Os documentos da Corte começam a chegar em língua castelhana e, já com Alfonso X, a sé compostelana cai em maos dum valhisoletano. É o primeiro assomo da estrangeirizaçom das hierarquias.

Os Trava e os Castro: com Portugal e Inglaterra, por Galiza.
Começavam as ameaças contra a grande aristocracia galega, que teria que combater a lume e ferro no século XIV contra umha ameaça definitiva: a sucessom henriquenha ao trono de Castela, que suporia o seu deslocamento dos centros de poder. Municípios e grandes nobres do país aostam na altura por Fernando I de Portugal, que entrou na nossa terra e foi aclamado em várias cidades. O rei português chegaria a acunhar moeda na Corunha e Tui e abriu um intenso tráfico comercial entre ambas as beiras do Minho. Dando-lhe apoio, as poderosas casas dos Trava-Castro, autêntico poder fáctico na Galiza da altura.

Ainda trás a renúncia de Fernando I à Galiza, o país continua batendo-se contra as pretensons henriquenhas. A dura derrota do partido galego na batalha de Porto de Bois (Palas de Rei, 1370) nom remata de vez com as pretensons autóctones. Constança, filha do rei Pedro, continuará a reclamar a Galiza para o seu homem, Joám de Gante, duque de Lancastre. Os documentos europeus da época, como as afamadas crónicas de Froissart, lembram como Compostela recebeu ao pretendente.

A assinatura dum acordo de paz favorável aos henriquenhos, com a conseguinte retirada das tropas inglesas que os combatia, supujo mais um passo atrás, a rúbrica da decadência galega.

Galiza ante o Estado moderno.
Este longo processo de subordinaçom ainda teria mais um capítulo: e dado que foi mui recriado histórica e politicamente, acadou mais sona que nenhum outro. Passou à posteridade como a rebeldia de Pardo de Cela aos Reis Católicos; na realidade, deveríamos falar da oposiçom de importantes vultos aristocráticos ao ditado castelám: pois junto ao marechal salientárom Pedro Álvares de Souto Maior, “Pedro Madruga” e Pedro Álvares Osório. Ambos os dous partidários de Joana, “A Excelente Senhora” e do bando português, e ambos os dous caídos de morte violenta: o Conde de Caminha, em Alba de Tormes, e Álvares Osório, no alçamento contra Isabel e Fernando.

Pardo de Cela sobreviviu cercado na sua fortaleza da Frouseira às tropas castelás, até que em 1483 é traiçoado e detido. Ele, junto com os nobres antes citados, enfrentara-se às tropas ocupantes da Santa Irmandade, que preludiavam a política de eliminaçom de todo poder autóctone no velho reino: castelanizaçom da administraçom, envio da nobreza à corte ou à guerra de Granada, governo dos poderosos mosteiros galegos desde Valhadolid.

Ainda, apesar da conhecida execuçom de Pedro Pardo diante da catedral de Mondonhedo e do exílio de mais de mil nobres e soldados, certa resistência galega continuou: a de Constança de Castro na torre de Caldaloba, cercada por López de Haro e as suas tropas, até falecer envelenada, e a da sua irmá Beatriz, que aguantou no cerco de Ponferrada, junto com o Conde de Lemos, até 1486.

Baixo lei marcial, com as suas classes dirigentes desartelhadas, exiladas ou subordinadas a estratégias colaboracionistas (caso do poderoso arcebispado compostelano), a Galiza entra na Idade Moderna, a do nascimento dos Estados, em plena decadência. Nom tardará em apagar-se a memória resistente e em nascer a lenda negra contra o nosso país, registada no refraneiro popular e na literatura culta que inxúria terra e habitantes da Galiza. Um processo que ainda hoje nom se revertiu; mais de quinhentos anos depois, e apesar dum tímido assentamento de elites literárias e culturais, a nossa Terra aguarda por umha verdadeira dirigência política que a faga valer e reja os seus destinos.