Pola Escola Popular Galega (transcriçom do galizalivre)/

Em 2008, Duarte Abade Loxo mantivo umha longa conversa com a mocidade independentista no Centro Social ‘A Fouce’ de Ames, logo publicada no livro recompilatório “Palavras sem maiúsculas. Experiências militantes na Galiza (1970-2005)”, editado pola Escola Popular Galega. Como recordo e homenagem a este irmao que vai ser homenajado neste Sábado em Compostela, e como melhor forma de espalhar o seu pensamento e a sua açom, reproduzimos o capítulo desse livro.

“Desde os inícios concebemos a militáncia como umha forma de vida integral”

Comenta-nos algo da tua vida para começar.
Eu comecei a militar no nacionalismo quando tinha quinze anos e vivia na Corunha. A primeira militáncia desenvolvim-na em ERGA, quando estava no liceu. A partir daí passei pola UMG, as mocidades da INTG…umha vez estas organizaçons juram a constituiçom espanhola, eu saio da UMG na cisom conhecida como PCLN, depois, com os anos, constituiu-se o EGPGC, onde militei até cair preso.

Mas, como é que entras no nacionalismo?
No liceu de Elvinha na Corunha tínhamos um grupo de professores nacionalistas que me influírom muito.

Falavas castelhano?
Bom, só na rua, como todos, na escola nom. Eu estava no liceu quando se começava a implantar o galego no ensino. Lembro que tinha um livro com textos de Castelao, de Carvalho, de Neira Vilas.

E tiveste algumha influência familiar?
Tivem. A minha mae sempre falava do meu avô, contava que tiveram muitos problemas por serem galego-falantes na aldeia. De facto, ele agchava no faiado umha multidom de livros míticos da nossa literatura, e quando os recuperei impactárom-me muito. Mas sobretodo aprendim dos professores. No próprio liceu um companheiro convida-me a umha assembleia de ERGA e, aos poucos, fum-me envolvendo mais.

Como desenvolvíades a vossa militáncia, que fazíades?
A nossa época estava marcada polas dinámicas herdadas do antifranquismo. Tentávamos tocar muitos temas, mas centrávamo-nos em duas luitas sobretodo: o movimento anti-NATO e contra a reconversom industrial. Claro, estes eram os anos oitenta e também estavam as mobilizaçons relacionadas com o Estatuto de Autonomia. O movimento anti-NATO foi decaindo, mas fomos vendo que o que mais sensibilizava eram as questons relacionadas com o ensino. Começavam as grandes privatizaçons e há que dizer que este tema preocupava bastante mais, agora o estudantado está mui pouco consciencializado.

E havia outros grupos a trabalhar no ámbito estudantil?
Havia, claro, mas a organizaçom maioritária era ERGA. Também estavam as Juventudes Socialistas, mas a sua militáncia acabou toda bem situada. Pola nossa banda tínhamos muita gente e conectamos muito, através das mobilizaçons contra a reconversom do naval, com as mocidades da INTG. Era importante mobilizar gente nova: as famílias de muitos e muitas de nós jogavam muito nessa reconversom. Nessa altura víamos que através da música e a TV a gente ia aparvando-se, desmobilizando-se.

Achas que as drogas influírom?
Influírom. Em Ferrol e na Corunha notou-se muito, se calhar mais em Ferrol…nom é fácil assegurar que a desmobilizaçom de meados dos oitenta derive disso, mas com certeza a heroína foi utilizada como arma política. Bateu mui forte à minha geraçom; quase nom havia informaçom e a gente gostava de experimentar.

Viveste de perto esse ambiente?
Muitos companheiros caírom nisso e alguns ficaram no caminho. E a heroína nom era como a coca, significava umha marginaçom social e um desvinculamento da realidade. Nom digo que estivesse planificado, mas ajudou à planificaçom social.

A militáncia na adolescência supujo para vós umha mudança no estilo de vida?
Bom, enquanto ia aumentando o compromisso ia perdendo tempo livre. Quando estava em ERGA podia fazer mais cousas, mas na UMG era distinto, vivias como um quadro. Conste que eu, ainda a dia de hoje, mantenho que a militáncia é umha forma de vida, militas todo o dia e toda a noite. Nom é militáncia só o tempo que dedicas à organizaçom.

E como era a vossa vida quotidiana?
O típico, faixas, pintadas…(risos) e sobretodo muita propaganda. Naquela altura era todo mui distinto, claro, nom tínhamos computadores e era todo a base de fotocópias, vietnamitas, e assim. Lembro que a INTG tinha umha impressora, umha Laster destas, e para nós isso era tremendo! Também fazíamos muitas assembleias, sobretodo informativas.

Notamos umha mudança grande com a Reforma da Formaçom Profissional, houvo grandes mobilizaçons. Posteriormente nas Greves Gerais Nacionais contra a reconversom conseguimos mobilizar muita mocidade.

E tivestes problemas com a família e as amizades?
Eu pessoalmente nom, mas houvo muita gente que tivo esse tipo de problemas. A partir de certas idades nom devesse acontecer, mas acontece.

E como vivestes a nível pessoal a rutura do nacionalismo?
A rutura começou quando surgírom as vozes sobre a jura da constituiçom. A partir do 83, já no BNG, as vozes converteram-se num debate real. Muitas das tendências internas queriam entrar no jogo institucional. Os debates fôrom mui fortes, e a nossa organizaçom, o PCLN, foi expulsa do BNG. Ao sairmos também tivemos disputas internas, nom tínhamos mui claro para onde avançar. Aspirávamos a consolidar umha alternativa; daquela o BNG ainda nom era nada e tivemos a possibilidade de fazer algo importante.

No ano 87 tivemos umha assembleia no Carvalhinho e voltamos a romper; houvo confrontos grandíssimos.

Apesar de terdes sido expulsos havia muita esperança, nom?
Havia, mas tínhamos o problema da falta de formaçom, de muita informaçom, de poucos meios…lembro que quando vinham barcos soviéticos ao porto da Corunha íamos pedir livros aos marinheiros, de Lenin, de Marx, etc…lembro que tínhamos boas relaçons internacionais com todos os continentes. Tivemos convites para as distintas Conferências pola Paz. Pensávamos que a nossa proposta era muito mais ambiciosa que a do capitalismo. Admirávamos as luitas de libertaçom nacional da Argélia, do Vietname, Moçambique, Nicarágua. Reforçávamos o conteúdo anticolonial do nosso discurso.

E a queda do muro foi um golpe mui duro?
Foi. Foi mui bem preparado. Pensávamos que nom podia cair o socialismo nem ali nem na Jugoslávia…fica Cuba e pouco mais, penso que ainda estamos a pagar a queda da Uniom Soviética, sobretodo ideologicamente. Ainda que às vezes se dam signos de recuperaçom…

E como foi o momento em que vedes que alguns companheiros e companheiras estám a pensar noutras chaves?
Foi também um processo paulatino. Mesmo quando estávamos no EG pensávamos que podíamos incorporar gente nova, mas nom foi assim. Sempre estivemos inconformes com o nosso projeto, e isso está bem, ir-se criticando para solventar erros.

Entom nom víades que podia haver tanto distanciamento?
Nom, para nada, pensávamos que o nacionalismo ia permanecer unido. Com ERGA aconteceu o mesmo, pensamos que ia ser o referente para as mocidades do BNG, mas nom foi assim. Havia muita gente que nom militava no BNG e nom queria entrar, entom nesse momento opugemo-nos a que se convertesse. Nesse momento rompem as mocidades e muita gente vai para a FPG ou retira-se.

E como vivestes a conformaçom do EG?
A actividade armada já se ouvira em muitos discursos do nacionalismo,
mas nom havía quem a levasse à prática. Havía esperências anteriores,
como LAR. Em principio gerou muitas contradiçons tanto na UPG como no PCLN, e houvo quem o viu bem e quem o viu com antipatía. As mocidades do PCLN implicárom-se muito no EG, e isso acabou com elas. Essas contradiçons chegarom a toda a sociedade, nom só ao nacinalismo; estavam assustados com a potencialidade da actividade armada e a quantidade de gente implicada. Quando começarom as primeiras detençons assustarom-se porque havía umha rede bastante extensa, mesmo com gente do BNG. O EG fazia análises políticas e foi vanguardista no sentido de utilizar a ortografía reintegrada.

Como lembras a vossa queda?
Bastante traumática. Caímos muitos, foi depois de um tiroteio com a
Guardia Civil. Muita gente virou-nos as costas. Tende em conta que nós
tínhamos professores e gente desse tipo deixando dinheiro, deixando
apartamentos, tínhamos umha rede mui importante. Foi incapacidade
política nossa nom consolida-la mais e nom queimá-la tam rápido. Fomos
demasiado rápido, isolámo-nos um pouco do povo. Foi um golpe moral e
político. Liquidou-se a FPG originária. Criou-se a APU, mas até que se
cria a AMI nos inícios dos 90 notou-se o pau. Muitas das falhas atuais
do independentismo som culpa nossa. A repressom foi mui forte contra um movimento pequeno.

Como lembras o princípio da cadeia?
Com muito debate. Naquela altura ainda nom existia a dispersom e a
cadeia era umha auténtica universidade. Lembro as torturas na DGS, o
isolamento, a ausência de vis-a-vis. Estávamos todos os políticos juntos
e aprendíamos muito. Estávamos com um tenente da FPLP treinado em Cuba, com pessoal de Brigate Rosse, bascos, de Terra Lliure… foi mui
interessante. Tinha 22 anos, comecei com 19 no EG. O Estado percebeu
isto e começou a dispersom, entom havía que desenrascar-se mais. A
formaçom já era mais individual, como agora. O bom é que sempre davas
com algum basco. É mui diferente um preso político ou um social:
partilhavas inquietudes, referentes… Aqui na Galiza criou-se umha mesa
para exigir as repatriaçons, e depois de alguns anos conseguírom que nos
levassem para Teixeiro e a Lama, antes de juntar-nos em Teixeiro. Aí
comezamos a negociar a nossa saída com as instituiçons espanholas e a
procurar apoios no país. Apoiávamo-nos sobretodo em que já nom existia
atividade armada e exigíamos que nos soltassem a todos de umha vez, nom individualmente. Adiantárom-nos as condicionais e pouco mais, eu ainda acabei em maio. Se nom tivéssemos feito isto ainda estaríamos
dentro;ainda temos que ir assinar e demais. Antes tinhas um total de
condena e aplicavam-che a redençom por vias de trabalho, estudos, etc…
Agora com a nova reforma, a Lei Parot, as condenas estám fracionadas,
aplicam-che a redençom sobre umha, depois a outra, etc… No caso de
Xefa aplicarom-lho, mas como nom tinha nada para cumprir nom entrou. Há muita intranquilidade porque ninguém sabe o que se lhe vai aplicar. A
Audiência Nacional aplica isto, mas com as presas e presos sociais nom o
fai. O Tribunal informa à prisom sobre os criterios a seguir. Tem
carácter retroactivo, é umha violaçom dos DH, é inconstitucional, nom
acontece em lugar nengum. Antes podias ter a data com referente, mas
agora…

Que lembrarias, bom e mau?
O bom: o convívio, a formaçom política e física (podes fazer desporto).
Mas à mínima também te isolam, e isso é o pior. Também é umha cloaca, há que ter isso em conta. É um feudo do Estado e dos funcionários. Existe a tortura, a injustiça, malheiras, há gangues de funcionários. Também há outros que som mais pessoas, mas todos tenhem cobertura judicial. Aos que som um pouco pessoas apartam-nos. Nós conhecêramos umha médica de Santiago que, por se preocupar muito com os presos foi excluída. A crítica à prisom vem de muitos anos atrás, desde Foucault, todo isso da
reinserçom é um mito, a prisom nom tem mais funçom que castigar. Todos os presos sociais saem sem trabalho e continuam igual.

Sabes se mudou algo?
Sim, mudou: mudárom as prisons provinciais por macro-cárceres.
Juntárom-nas todas e agora cada módulo é umha prisom. Metêrom cámaras, modificárom a arquitetura para que nom haja ángulos mortos…
Massificaçom, as cadeias nom dam feito, nom deixam de construir e
encher, nom vem que o problema nom é esse. Agora com o problema da
emigraçom isto piora. Nom sei como é a convivência com esta gente.
Connosco os sociais portavam-se bem, perguntavam-nos cousas,
ajudavamo-los a se alfabetizarem…

Que mudanças notas ao saíres?
A ideología neoliberal que começava nos 80 avançou muito, vejo também muito retrocesso no tema da língua, mesmo na mocidade mais próxima ao nacionalismo, nom lhe presta muita atençom. No independentismo vejo muita fraqueza estrutural, muitos anos sem unidade… Tal como estava constituído quando entramos nós, vejo que agora tem menos influênciasocial. Acho que todo é recuperável.

 Na militáncia juvenil que muda?
Há de todo, como antes. Há boas militantes mas também muito de boca para fora. Interpretávamos a militáncia como modo de vida integral, e issom vai-se perdendo. Se calhar também o tema da formaçom, umha grande carência. Nós preocupávomonos mais com isso, nom individualmente, senom para formar quadros que continuassem com o projeto. Mesmo no País Basco tenhem este problema. Podemos relacioná-lo com a queda do socialismo ou com o que quigermos, mas eu falo com a gente e surpeendo-me de que nom se
saibam determinadas cousas. Isto é culpa de todo o mundo, eh? Perdemos muito tempo voltando para atrás para estudarmos o que depois
esquecemos…

Ninguém fijo bem as cousas?
À vista está. No seu momento a criaçom de AMI foi importante, mas nom conseguiu ter influência. Também há cousas positivas, o nascimento dos centros sociais, por exemplo, que é umha ideia que latejava havia anos mas que só surgiu agora.

E no nacionalismo?
Consolidárom-se as posiçons. Dentro do BNG continuam a ferver as cousas, mas há que construir umha alternativa. Houvo umha desmobilizaçom global. Mais romarias e procissons que outras cousas, falta combatividade. Nom quero ser pessimista, porque os ciclos políticos som fases. Hoje vejo mais identificaçom com o país que antes, isso sim. Se olharmos para a história desde as Irmandades, que eram quatro burgueses até hoje… som processos históricos. A respeito disso há avanços. O nacionalismo conseguiu que se empregue o galego em muitos atos litúrgicos. Vai-se ganhando peso sociológico, sem fazer referências partidárias, em global.