Por Jorge Riechmann (traduçom do galizalivre) /

1

Os problemas sócio-políticos redefinem-se como assuntos pessoais para condenar à impotência os indivíduos isolados. Vivemos numha orde político-económica que organiza a concorrência sem fim por baixo, para preservar a dominaçom oligárquica (plutocrática) acima…e a internet distribuída -ca um com o seu smartphone nas maos, cada qual, na verdade, nas maos do seu smartphone!- assegura mecanismos incomparavelmente mais poderosos de disciplinmento e controlo…que subjectivamente som vividos pola imensa maioria como um espaço de liberdade.

 

2

“Quantas contas de correio che colhem na mao?”, interroga a publicidade dum desses smartphones de cuja imprescindibilidade tratam de convencer-nos. Mas qualquer pessoa de mínima inteligência, após cavilar minimamente, vai ver que um par de contas de correio podem ser de ajuda, dez contas vam supor um sarilho quase imanexável, e cem contas um pesadelo ao que nom quereríamos ser condenados…Lá onde a lógica da maximizaçom nos perde, a lógica de suficiência ajusta-se às medidas do humano. Iria-se ajustar, se quigéssemos essa outra forma de viver, amar, prosperar.

Nom maximizar (Olho com o perfeccionismo, que sempre se vinga). Nunca tratar de maximizar.

 

3

Nada de tentarmos manter o ritmo das máquinas: é umha armadilha. Todo nos empurra a isso desde há séculos, e é umha armadilha -nom porque a máquina de vapor de Newcomen e Watt fora substituída polo iPhone deixa de ser umha armadilha.

4

Dizia Einstein num discurso no 1918: ‘Acho com Schopenhauer que um dos motivos mais fortes que conduzem o ser humano à arte e à ciência é a fugida da vida quotidiana, com a sua rudeza dolorosa e a sua desesperada monotonia; e dos braços dos póprios desejos sempre cambiantes (…) Umha natureza bem equilibrada arela fugir da vida pessoal para mergulhar no mundo da percepçom e os pensamentos quotidianos. Quase um século depois, vemos que a fugida da vida quotidiana no que tem de esgrévia e monótona foi imensamente facilitada polo trebelho milagreiro que todo o mundo leva já no bolso. Louvadas sejam as TIC! Isso si, nenhum auxílio nos fornecem esses novos telemóbeis contra o outro grande motivo de desacougo que menta o grande físico judeu alemao: o caos dos desejos sempre cambiantes vê-se mais bem alimentado polo fluxo incessante de dados.

Nom aturamos a soidade e o aborrecimento: é o problema do ‘quarto de Pascal’ sobre o que já há tempo chamei a atençom (Jorge Riechmann, ‘La habitación de Pascal’, Catarata, Madrid, 2009). Acho que essa incapacidade é a razom de fundo que explica como o smartphone virou num membro mais imprescindível do corpo humano, logo depois de começar a se comercializar. E assim, para preservar a internet móbil mercantilizada que nos promete constante distraçom e companhia, assim, para salvar essa orde perversa de prioridades, estragaremos a biosfera e destruiremos o mundo humano.

5

Ao nos resultar mais doado (parafraseando  Frederic Jameson) imaginarmo-nos o final do mundo que o final do smartphone, a destruçom da biosfera -e com ela a auto-aniquilaçom do ser humano- vai prosseguir até as suas derradeiras consequências (ou quiçais -se houver muita sorte -só até as penúltimas…). Nom é umha fatalidade -depende do que fixermos e deixemos de fazer, e somos animais com livre albedrio-, mas é o que por desgraça vai acontecer. Impressionou-me o ponto de vista sobre a internet e a cultura humana do ecólogo da Universidade de Florida Mark T. Brown.

6

Há formas de colapso ecológico-social que semelham melhores do que algumhas trajetórias de -certa- sostibilidade. Se um pensa, como dizia o professor Mark T. Brown (…) que a internet é o mais valioso que tem criado o ser humano, logo estará disposto a construir centrais nucleares para a World Wide Web poida seguir ativa num mundo de recursos escassos (o nosso mundo no Século da Grande Prova). Semelha difícil conceber umha sociedade nessas condiçons sem estar fortemente militarizada…enfim, um futuro fundamente distópico! Algumhas formas de colapso, se acontecessem sem muita violência, iam resultar claramente preferíveis.

7

A tecnociência continua a alimentar o seu sonho de deixar atrás a biosfera e a condiçom humana (desejo de ser alienígen -tam potente na alma do ser humano, como sabemos desde Platom e os gnósticos- hoje atualizados na Fundaçom Mars One, qe se propom organizar a primeira expediçom a Marte, ou por Ray Kurzweil, com a sua fe na Singularidade). O capitalismo segue também a nutrir a sua andrómena de lucros infinitos graças ao crescimento económico ilimitado (apesar de se desdobrar num planeta finito dotado de recursos naturais limitados). E a aliança entre capitalismo e tecnociência estreita-se, em prejuízo do ser humano (de todos os seres vivos): assistimos com entusiasmo à universalizaçom do smartphone (e aginha das googleglasses), apesar de se tratar do sistema de controlo social mais mesto e fundo que endejamais se puido sonhar…o resultado, perfeitamente previsível, som sociedades destruídas em ecossistemas desfeitos: um ecocídio acompanhado de genocídio, pré-programado para a segunda metade do século XXI, e em cujos inícios estamos.

 

8

Numha entrevista em eldiario.es, em Dezembro de 2014, perguntou-se a Yayo Herrero: pode-se construir um discurso maioritário com esta base (ecologista)? E a ex-coordenadora confederal de Ecologistas em Acçom respostava: ‘estou certa de que si’.

Florent Marcellesi hesitava: ‘eu gostava de ter tanta conviçom na nossa capacidade de sermos maioritários mas, na verdade, preciso algumha cousa mais, tanto teórica como empírica, para acreditar nisso’, escrevia num correio. ‘É possível ligarmos de forma massiva o imaginário ecologista com o imaginário coletivo real-atual? Ou quiçais o nosso objectivo nom é mudar mais as massas, senom prepararmo-nos desde comunidades pequenas ao colapso ou aos pontos de inflexom que sem dúvida vam aparecer nos anos vindouros?

Provavelmente as dúvidas do co-deputado verde no Parlamento Europeu ponhem de relevo umha apreciaçom mais realista da situaçom…ecologismo quer dizer essencialmente assunçom de limites. Assumirmos os limites do corpo; os da condiçom humana; os da sociabilidade; os da liberdade e a capacidade de acçom; os da faculdade de controlo; os da técnica; os dos recursos naturais; os dos ecossistemas; os da biosfera terrestre…(nesse senso, diredes-me, nom resulta tam diferente das antigas tradiçons sapienciais, e tedes razom: o ecologismo pressupoe, e desenvolve, umha ecosofia). Mas na atualidade, cada vez que o ecologismo nos farfalha ao ouvido essas desagradáveis verdades, cada vez que nos diz ‘recorda que és mortal’, a ‘liçom de cousas’ encarnada (maquinizada) no smartphone que temos nesse intre entre as maos, incita-nos: ‘nom fagas caso a esses cinzentos. A tua máxima vai ser NO LIMITS’. Hoje, a cultura dominante está a piques de propor o encerramento dos pessimistas em campos de concentraçom’.

 

9

 

O obstáculo maior -e é imponhente- para um discurso ecologista puider ganhar maiorias é a generalizada tecnolatria que fomenta e cultura dominante. O inquérito ‘Perspetivas de futuro da sociedade’, realizada em Dezembro de 2013 (a umha mostra de 1200 espanhóis e espanholas maiores de 18 anos) mostrou que o 92% cria provável que, nas vindouras duas ou três décadas, cumpra reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis, for por esgotamento dos recursos, for por evitar umha mudança climática catastrófica. Mas dessa gente, apenas o 23,8% cre que vai haver escasseza de energia e crise económica (isto é, apenas umha de cada cinco pessoas do total). O resto confia nas energias renováveis, somadas ou nom à energia nuclear, somadas à vez a novos inventos que nom se sabe quais som, mas que estarám aí a tempo, permitirem continuar com o ‘business as usual’.

Eis a fe cega na tecnologia que está a anuvar os olhos dos mais; e trata-se dumha fe irracional (como qualquer pessoa versada, neste caso, em assuntos energéticos pode testemunhar), mas sumamente poderosa. A mim isto recorda-me a situaçom na Alemanha de Hitler, ao final da guerra…estava a perder-se em todas as frentes, mas a vitória final estava assegurada. Quem ia duvidar de os científicos ários estarem a desenvolver armas segredas de todas as classes, que iriam inverter a situaçom e transformarem a derrota em vitória?
Ao cabo, quiçais amanhá rematemos de ver que o smartphone derrotou o movimento ecologista.

10

Onde nos cumpriria a revoluçom cultural da sustentabilidade (veja-se por exemplo o sintético plantejamento de Ricardo Almenar n’O fim da expansom’), o que temos é Candy Crush em cada ecrá retro-iluminado: o Brave New World da tecnociência.

Resulta-nos mais doado aceitar o fim do mundo que o fim do smartphone. Quiçais porque ninguém pode já conceber um mundo sem esse trebelho, a disjuntiva entre socialismo ou barbárie nom admite já mais resoluçom que em favor do segundo termo.

Fantaseam com um mundo de engenheiros informáticos, actrizes, banqueiros, blogueiras, trendsetters, desenhadoras e nomeadamente turistas, muitos centos de milhons de turistas…e o que imos ter no canto disso é um mundo de labregos dizmados e paupérrimos.

No meio do esboroamento, e da violência indizível que vai trazer, o executivo bancário olhará para o seu interte smartphone de última geraçom e irá lamentar, agre, nom ter aprendido a plantar patacas.

*Publicado originalmente em tratarde.org.