Por Iris Hernández e Paola Contreras (traduçom do galizalivre) /

Mais umha achega à causa do povo mapuche, desta volta a partir das palavras da militante indígena Olga Xaipe Antileo; Olga debulha os elementos principais da visom do mundo mapuche e a sua aposta de luita.
Ela mesma se apresenta:

O meu nome é Olga Xaipe Antileo. Som originária dum lugar que se chama Isla Huapi, situado na costa de Temuco, no sul da costa. Vivi e cresci em Santiago (de Chile), onde recuperei a identidade Mapuche. Hai montes de tempo que vivo entre o campo e a cidade, porque, embora more em Santiago, onde se devem fazer mudanças reais é no campo, no Sul. Ali é onde se necessitam maos, onde se necessitam abraços, -como eu digo-, e até cousas doutro nível. Cá em Santiago nom se constrói futuro, lá si.

‘As nossas cousas temos que lográ-las nós sós, com trabalho e persistência’

Iris Hernández (I.H.): Tu és umha mulher mapuche cuja luita política de resistência é reconhecida. Di-nos, como se construiu esse processo de pertença, quer dizer, como te foste ligando politicamente a esta luita e qual som as características particulares quê se desprendem da tua açom?

Werken Olga (W.O):  Nom falo de pertença, porque quando figeste o percurso por diferentes organizaçons Mapuches, finalmente percebes que nom pertences a um nome ou a umha comunidade. Insisto, o meu lugar é Huapi, o meu lugar de origem, e isto é algo do que nom podes fugir jamais na vida. Sim, percorri distintos lugares e acho que conheço todo o território Mapuche vivendo diferentes situaçons, mas sempre de maos dadas com aquilo que tem a ver com o autônomo. Eu nom acredito em instituçons, nom acredito em governos e nestas cousas da interculturalidade, nom acredito no assistencialismo. Eu acredito em que as cousas temos que lográ-las nós sós, através do nosso trabalho, através da nossa persistência, porque temos capacidade, porque temos que acreditar em que possuímos essas capacidades, porque podemos ter economias próprias, porque se podem recuperar as terras. Aqui hai que estar e pelejar tal e como figérom os antigos, porque eles derramárom sangue e essa história nom se pode apagar. Esta é a minha lógica hoje, nessa perspectiva eu detenho-me, na perspectiva da autonomia, na perspectiva que indica que aqui somos nós os que temos que luitar por continuar existindo, somos nós e nom outros. Por vezes caminhamos de maos dadas com outras gentes, é certo, por vezes fazemo-lo, mas cá, somos nós próprios quem enfrenta todo. Se nalgum momento temos que enfrentar o cárcere, é porque hoje, o cárcere fai parte destes árduos caminhos.

 

I.H: No tempo que durou o processo de reclusom da Machi Francisca Linconao, tu –do mesmo modo que Ingrid Conejeros-, foste umha voz que se distinguiu por esta lá livrando umha batalha extenuante. De vagar fostes rachando com o cerco comunicacional e revivendo a tensom que existe no encontro de duas culturas: a winka ocidental dominante e a mapuche que resiste. Isto fai parte dumha longa história e dos árduos caminhos que mencionaste. Que é o que se necessita? Como podes descrever o horizonte que persegue esta luita, para além da Machi Francisca?

W.O: O que se passou com a Machi levou-nos a umha exposiçom mais visível, por assi dizé-lo, mas insisto nos caminhos, se é que alguém pode falar em caminhos Mapuches. Todo o que vivim som cousas muito fortes: ver um irmao que se dessangra ao teu lado (…) e tés que tratar de salvá-lo; ouvir gritar os irmaos, por tiros que chegam praticamente dentro dos seu olhos; morder um pano para que os gritos de dor nom se escuitem; oferecer-lhe a mao a um irmao clandestino e nom tem onde ficar. Quer dizer, para mim é isso e é necessária gente, ai é onde nós necessitamos gente! Essa é a luita! E é justamente aí onde hoje nom hai gente. Gosto de enfatizar isto em todos os lugares onde podemos fazer chamados e cousas assi. A cada irmá e irmao que hoje ainda nom está nisto digo “Necessitamos-te”. Necessitamo-nos todas e todos, porque a luita nom se pode suster entre quatro, cinco ou dez, porque quando nós luitamos, luitamos até para os mapuches que estám no governo. Até por eles luitamos, porque se eles tenhem umha mentalidade, é possível também que os seus filhos nom a tenham e sejam Mapuches do mesmo modo que somos nós, e necessitem terras do mesmo modo que as necessitamos nós. Entom, aqui luita-se por umha infinidade, por quem nos quer, e por quem nom nos quer, polos nossos amigos e inimigos. Aqui luitamos por todos, porque todo o que se consiga num minuto será para todos.

I.H: Através do que comentas visualiza-se um marco histórico de violência e extermínio da comunidade mapuche. Ali as políticas e leis tenhem sido um elemento relevante nas luitas de antes e agora, fundamentalmente polo que nom se vê das mesmas: a sua colaboraçom com a reproduçom das violências à comunidade mapuche. De facto, denuncia-se o caráter terrorista estatal Como o vês tu? Qual tem sido a importância de leis e políticas para preservar a opressom da comunidade Mapuche?

W.O: As políticas públicas estatais-guvernamentais estám feitas por e para um sistema de dominaçom. Este modelo de sociedade que conhecemos está feito e criado para suster espaços de dominaçom. É por isto que todas as políticas: políticas de educaçom, políticas sociais, saúde, etc., constroem-se para continuar a modelar e suster esse sistema. A ideia é que esse sistema nom remate nunca, polo que as políticas que hoje existem –como digo sempre- nom dam pontada sem fio. Procuram camuflá-las como ajudas para o povo Mapuche, para as comunidades, para a gente do campo ou da cidade, mas sempre na direçom do domínio que nos afeta a todas por igual.

I.H: De que forma se manifesta esta camuflagem nas políticas?

W.O: Antes de mais quero esclarecer que nom estou a falar de leis, porque as leis som um ítem pequeno, embora seja “o mais visível” que afeta ao nosso povo. Aí está a lei antiterrorista, por exemplo, que se traduz de imediato em prisom política do Mapuche, no entanto, mais do que falar de leis eu destaco o modo em que se fai política hoje. Por exemplo, se falarmos em educaçom intercultural –que na atualidade está muito na moda-, para nós (sem generalizar) o seu transfundo o que procura é assimilar a criança Mapuche ao sistema de dominaçom. Se falarmos em saúde intercultural, que é mais um ítem das políticas que se aplicam, observamos que também se tergiversa a medicina Mapuche, pois a pessoa enferma acode a umha Machi para conversar e procurar umha soluçom à sua doença: mas a política pública de saúde intercultural destrói nosso sistema de saúde ancestral já que coloca à Machi num hospital com horários de atençom, quer dizer, coloca-a na posiçom dum médico mais, procurando com isto alterar ou desvincular a relaçom entre a Machi com o meio, a comunidade e a pessoa enferma.

Quero dizer com isto que as políticas intervenhem para que o conhecimento deste grande povo ancestral se perda. Por exemplo, se falarmos nas políticas de vivenda (que é algo básico para pessoas mapuches ou nom mapuches): o governo entrega-te umha vivenda social que é umha caixa de mistos porque som muito pequenas, aliás, a questom é que a entrega depende dumha cláusula que di que nom te podes ir embora em 15 ou 20 anos, portanto, a consequência é impedir que voltes ao território. Se tu te fores, perdes a vivenda e isto para mim tem umha dupla intencionalidade que nom se vê, que está camuflada.

Eu misturo todo isto. Pois repara em que para todas as personagens mapuches (por assim dizê-lo) os lamienes, os irmaos e irmás que estám fora das normas políticas que existem hoje, a opçom vai por umha recuperaçom territorial e isso tem a ver e vai de maos dadas, nom apenas com a recuperaçom do território, mas com recuperar umha forma de vida que é a que se quer fazer extinguir. A todas estas pessoas, homes e mulheres que luitam contra todo este modelo aplicasse-lhes a “lei antiterrorista” aplicasse-lhe entre aspas, porque judicialmente negasse que se lhes esteja a aplicar esta lei, e, no entanto, todos os julgamentos que se fam estám aplicados sob esta lei, embora os papeis digam que nom é assi, quer dizer, som aplicadas abertamente e dirigidas exclusivamente aos mapuches.

Deste modo podemos observar um grande círculo: o que quer sair já sabe cara onde vai: ao cárcere, à morte ou, no melhor dos casos, à clandestinidade, e estas som as três opçons que tem o mapuche que segue umha via de autónoma.

Resistências históricas e atuais no Wallmapu
‘Os militantes adquirem a sua força polo orgulho de saberem-se guerreiros ancestrais do nosso povo’

I.H.: A morte, o cárcere ou a clandestinidade som caminhos que fragmentam a comunidade ao mesmo tempo que som expressons claras da sua resistência à militarizaçom dos territórios, aos impatos das políticas públicas que descreves. Som caminhos radicais de entrega que do meu ponto de vista winka (nom mapuche) demandam muita energia e aí surge umha nova pergunta. De que forma alimentam essa energia? De que forma seguem reproduzindo umha energia tam complexa que lhes permite assumir a clandestinidade?, que nom se importem com ter de ir ao cárcere ou morrer? Se bem muitas pessoas ocidentais tenhem assumido caminhos similares (por exemplo, para enfrentar ditaduras militares), os sistemas de crenças som completamente diferentes, parto do suposto que essa produçom de energia nom se produze do mesmo jeito, nem sob as mesmas circunstáncias. Como é, que sob estas condiçons particulares, produzem energia para seguir adiante?

W.O: Esta pergunta é muito interessante. Olha, hai uns meses andárom por cá uns irmaos zapatistas. Entom eles –desde o seu olhar como zapatistas- figêrom-nos a mesma pergunta, com fai um povo para resistir tantas mortes, tanto sangue, tanto abuso e por tantos anos? Eles confrontavam a resistência zapatista com os anos de resistência ancestral dos mapuches. Entom diziam, como o figêrom? Como fijo o povo mapuche para nom estar no arco-íris do mundo e continuar, continuar e continuar no mundo gris da morte e do sangue?

É umha pergunta que tem muito transfundo e que às vezes costa entender. A gente, às vezes, nom acredita que é real o que exprimo e penso, e acham que só som ares revolucionários, por dizê-lo dalgum modo, mas aqui nom se trata disso. Aqui nom se fala em gente que tenha mentalidade revolucionária. De onde sai toda esta força, todo este énfase em continuar? Tira-se da espiritualidade. O povo mapuche é um povo que se baseia na espiritualidade, essa é a nossa base. De onde sai essa força para continuar na clandestinidade? Tira-se força só do facto de, na noite, ter bons sonhos, do facto de ter um irmao ao teu lado para dizer-te que sim, que adiante, continuemos! Tiram-se forças do irmao que está na clandestinidade, porque foi um Weichefe, um home consequente, um home guerreiro que continuou na luita. Este é um caminho tam difícil que pouca gente imagina. Entom, de onde é que tiram forças todos estes irmaos? de saber que nom som qualquer pessoa, mas guerreiros ancestrais do nosso povo. De onde tira a força o mapuche quando está no cárcere? Estas som outras realidades e isso hai que percebé-lo, som realidades diferentes e ali tira-se força dos remédios que a mesma Machi lhe fai aos presos no cárcere. De facto, deste modo tenhem-se ganhado muitos juízos, quer dizer, além de advogados ou da defesa, ganham-se com força mapuche, ganham-se com o conhecimento ancestral. Aos irmaos que estám nos cárceres muitas vezes lhes fam trabalhos, às suas roupas, às suas pertenças; fam-lhes tomar remédios da natureza, fam-lhes cerimónias, rogativas para que estejam fortes espiritualmente, porque qualquer um sucumbe no cárcere. Muitos tenhem sucumbido dentro das cadeias; muitos irmaos que tenhem estado nos cárceres saírom e depois som outros, porque o cárcere lhes ganhou. Também existem casos de irmaos que saírom muito mais fortes e com a mesma decisom pola qual entrarom. Os irmaos que caírom mortos dentro do mundo mapuche, todos caírom na resistência. Alex Lemún, Matías (Catrileo), o mesmo Jaime Mendoza Collio; som irmaos que nom caírom sentados num sofá, nom caírom a manejar um computador. Eles caírom estando presentes no combate corpo a corpo, resistindo polos seus territórios. Quando um está numha terra ocupada sabes que em 15 ou 20 minutos chegam os pacos (polícia), assim quando tomas a decisom de ficar aí e nom fugir, o único que dis é: “ Se me deixárom aqui é por e para algumha cousa”, porque um fala com os espíritos, com a gente antiga como nos dizemos. Quer dizer, se me trouxérom a esta terra e por algum motivo, e se fico na peleja e na luita por este território –que foi polo mesmo que a gente antiga pelejou e luitou- é por algum motivo. Se tenho que ir embora (morrer), vou-me e renascerei de novo.

I.H: Irmá Olga é obvio que esta história de resistência é longuíssima. As mulheres tivérom umha grande importância na luita, embora nom seja estranho a cultura Winka invisibilizá-las. Hoje, de facto, som os casos onde se tenhem visto involucradas mulheres mapuche, os que impulsárom o apoio notório e crescente das redes de apoio de mulheres e lésbicas feministas. La Machi Francisca Linconao [5], Lorenza Cayuhan[6], Macarena Valdés [7]; transformárom-se em casos emblemáticos nestes últimos meses e antes conhecemos à Chepa [8], as irmás Quintreman [9]. Como funciona esta resistência desde esta força que é feminina?

W.O: A pergunta necessita que se explique de que ponto de resistência falamos. Podemos falar de resistência ancestral e de resistir na luita de enfrentamento; outra cousa é fazer umha resistência cultural. Aqui no povo mapuche a resistência está muito significada e exprime-se de diversos modos, isto é bom especificá-lo. Por exemplo, para a lagmien (irmá) que se para num cenário com umha guitarra a cantar, esse é um espaço de resistência, as irmás que som companheiras dos presos fam outra modalidade de resistência; as poucas irmás que estám resistindo no que poderíamos chamar como “campo de batalha” é também outra modalidade de resistência. Cada modo de resistência nom tem nada a ver com a outra, som diferentes e incluso até politicamente nom tenhem muito a ver. Acho que hai que perceber de que resistência falamos, porque se falamos em resistência artística, social ou cultural como é que lhe chamamos? Hai muitas mulheres mapuches que se exprimem através dumha cançom, dumha poesia, e essas som quase todas mulheres.

I.H: E a tua resistência? Tu és umha voz com força.

W.O: É outro tipo de resistência.[10]

Demandas históricas e atuais

I.H: Falemos agora das demandas e exigências históricas das comunidades e do povo mapuche. Quais som? Existiu um afastamento das demandas históricas em detrimento doutras? Pergunto, porque existírom mudanças culturais e contextuais e fundamentalmente porque quem domina vai-se acomodando às formas em que se resiste, quer dizer, resiste-se e ao mesmo tempo o poder acomoda-se para que essa resistência nom o desestabilize. Que achas?

W.O: A resistência Mapuche levantou-se exclusivamente pola invasom dos seus territórios. Esta é a grande demanda do povo mapuche: a devoluçom do território. Este é um ponto no que acho, grande parte do povo mapuche, partilha. Esta é a grande demanda à qual chamamos demanda ancestral, mas hoje hai outras, por exemplo, insistimos em erradicar a prisom política, que finalize a perseguiçom da gente que resiste, porque isto nom é delinquência, é resistência e hai diferentes factos que som consequência desta resistência. Outra das demandas dos últimos anos tem sido a paralisaçom dos grandes projetos extrativos. Mas todas estas demandas englobam-se ou som partes desta grande demanda histórica: a devoluçom da terra. Se as terras estivessem em maos da gente mapuche ou fossem respeitados tratados assinados nas distintas etapas entre o povo Mapuche e o Estado chileno, a cousa teria sido diferente. Em épocas anteriores, os tratados fôrom respeitados, existia um limite entre o território mapuche e o estado chileno, se estes tratados seguissem vigentes, se calhar os grandes projetos económicos nom estariam insertos nas comunidades, se calhar as florestais, as hidroelétricas, as mineiras, os projetos de piscicultura e muitos projetos económicos que estám funcionando no território, nom estariam funcionando ali. Temos várias demandas: paralisar estes projetos económicos, fim da lei antiterrorista, da prisom política, mas todas estas fam parte da grande demanda que é a devoluçom do nosso território.

I.H: A instalaçom das hidroelétricas é um tema que preocupa às comunidades polo extermínio do meio ambiente e a violência que a sua instalaçom tem significado. Podemos pensar nas investigaçons que se levantam em torno da morte de Macarena Valdés, na violência que tem afetado a Julia Quintrepam, por falar dumha pessoa e à diversidade de comunidades que tenhem resistido frente a elas. É claro que existe um poder desequilibrado e violento que lhes afeta. Como enfrentam a invasom do território deste tipo de indústrias e corporaçons desde hai anos na Wallmapu?

W.O: Existem diferentes formas de enfrentar todo isto. No mundo mapuche falar em povo nom significa um povo com um sistema organizativo único. Nom é que exista um povo e todas as pessoas caminhem na mesma direçom, Nom é assi. O povo mapuche divide-se por zonas e essas zonas dividem-se em comunidade, e cada comunidade pensa e fai cousas distintas das outras. Por exemplo, temos um caso emblemático da central hidroelétrica que se instalou em Ralco e que se conheceu a nível mundial, Esta era umha barragem construída com capital espanhol e isto evidenciou que o problema nom é nacional, também tem relaçom com a presença de investimentos estrangeiros. Ao projeto Ralco opujo-se umha resistência que eu chamo basicamente de “corpo a corpo”, enfrentamento e sabotagem das máquinas e o impedimento para a entrada no território dos trabalhadores. Controlamos o território para que apenas entre só quem queiramos nós que entre. Em Ralco pelejou-se e defendeu-se a terra por muito tempo deste modo. Hai outros lugares que se defendérom através das vias judiciais e nom se tem feito esta intervençom de luita. Ali apelou-se à proteçom, à água, à comunidade, etc- Na atualidade para que se instalem estes mega projetos perto das comunidade ou dos rios, é suposto terem que consultar às comunidades para chegar a acordo, mas as empresas atuam de modo fraudulento: os irmaos tenhem denunciado a falsificaçom de assinaturas, as corporaçons oferecem milhares de pesos às famílias para que assinem e dam-lhes autorizaçom para instalar-se nos seus territórios, ou mesmo tenhem aparecido nomes de pessoas que nunca figérom parte da comunidade.

Em muitos destes casos estas estratégias dérom resultado e noutros fôrom impedidas por manobras fraudulentas. Isto prova que a resistência às vezes só pode ser corpo a corpo, pois as corporaçons e o estado nom respeitam nada. Por exemplo, em Pilmaiquen aplicou-se o que nós chamamos controlo territorial, o terreno onde se ia colocar a corporaçom estava em Ngen -que é um espírito protetor do povo mapuche-; entom nesse lugar instalárom-se acampamentos mapuche e nom entrava ninguém que nom fosse autorizado e empregárom-se todos os mecanismos e formas polas quais se pode defender um território. Pilmaiquen defendeu-se, todos estes anos, através do controlo territorial, estando ali, defendendo o espaço, enfrentando-se com os carabineiros e as forças especiais [11], Os irmaos nessa resistência receberam tiros, perseguiçom, também vários cairam presos. Basicamente temos estas duas fórmulas: a jurídica que nom é muito efetiva, pois só se atingem acordos comerciais mais do que a defesa do território, e a via do controlo territorial e a defesa dos diferentes espaços. Também existe outra que mistura o controlo territorial e a via jurídica.

I.H: Os tipos de resistência que descreves ligam com noçons como a da autonomia. Quando transitamos polos discursos mapuche, de facto, essa é umha palavra recurrente, outra é a de autogoverno. Qual é a tua relaçom com estes conceitos?, profundizando, claro está, no que já nos tés comentado sobre a tua própria adscriçom autônoma.

 

W.O: Eu respondo a título pessoal, porque muitos irmaos e irmás optam por diferentes posiçons, como te comentava antes. Por exemplo, eu nom concordo muito com a palavra autogoverno, porque para mim o conceito de governo também significa ter presidente, autoridades políticas como deputados e senadores, municipalidades e assi sucessivamente. Noutras experiências de povos ou de resistências indígenas tenhem-se logrado autogovernos com organizaçom social própria. Mas no caso Mapuche eu associo-me mais com a palavra Autonomia, porque acho que liga a autonomia pessoal com a comunitária e a dos povos, e isto tem a ver com que cada um tem direito a escolher que caminho seguir; assi, desde aí um escolhe como constrói essa autonomia, porque afinal és livre e essa acho eu é a palavra, é a tua liberdade e a de autodeterminar-te por ti mesmo. Por exemplo, o povo mapuche tem umha estrutura política, social, cultural e espiritual, quer dizer, um mundo e um sistema próprio que já está organizado e que em muitos lugares ainda se emprega. No povo Mapuche estám os Lonkos, os Machis, os Werken, os Weichafes –que eram os Toquis antigamente-. Todo este sistema existe e está vigente na atualidade; por isso que o mundo mapuche nom necessita um autogoverno, porque o povo mapuche tem um mundo próprio estabelecido, temos umha forma ancestral. Desde a invasom espanhola do território resistimos durante anos e séculos e isto prova que a nossa forma de organizarmo-nos socialmente funcionou e funciona, quer dizer, funcionou a nossa estrutura social, política e todo o que nós temos. Vir colonizar-nos sob um conceito de autogoverno, nom; com um candidato presidencial que votamos e escolhemos; pois nom, quando menos no meu conceito de mundo e na minha lógica de Mapuche nom serve, nom serve como lógica porque é alheia.

Estratégias, alianças e solidariedade
‘A nossa luita é um trabalho de 24 horas por dia’

I.H: E ali no lugar do alheio, que tipo de aliança construístes com gente nom mapuche? Som permanentes? De que forma funcionam?

W.O: Eu nom podo estender-me no que tenho recebido como mapuche dentro dos movimentos sociais. Olha, o mapuche viveu um racismo no seu corpo e na sua memória histórica terrível. Por exemplo, muitos de nós crescemos com a ideia e o medo de dizer que éramos mapuches. Crescemos assim. Muitos de nós crescemos com um medo terrível para aceitarmo-nos a nos próprios como Mapuches, porque estávamos expostos a escárnio racista. Eu, a nível pessoal, antes de tirar toda esta força de ser pessoa Mapuche, era umha pessoa comum e corrente, por dizê-lo dalgum modo, mas sim que militava em movimentos sociais –educaçom popular, rádios comunitárias, e todas estas cousas que hai, pois havia que organizar-se frente à classe de gente poderosa que tratava de esmagar-nos. No meu caso particular quando comecei a tomar consciência que era Mapuche, em todas estas organizaçons em que eu militava, sempre estivo presente o discurso de “ajudemos o povo Mapuche” “solidarizemo-nos com o povo Mapuche”, e eu, supostamente, era solidária com o povo Mapuche, mas nom era Mapuche, quer dizer, de consciência nom era Mapuche, porque nom me reconhecia como tal. Entom, quando comecei a perceber, mui devagar, que era Mapuche, que tinha umha história de despojo, que tinha umha memória histórica, aí começou a acordar o espiritual no corpo, começou aflorar todo um novo ser e percebi que havia outra luita e que essa luita era a luita do povo Mapuche e que em paralelo existia a luita dos movimentos sociais em que eu militava. Quando eu comecei a viajar ao sul, às comunidades ou ao lugar da minha própria família, comecei a ausentar-me das reunions e ali começárom os questionamentos: por quê estava ou ia ao sul? Por quê me juntava com esta gente?. É de supor que eles apoiavam o povo Mapuche e que eles sabiam que eu era Mapuche –porque os meus dous apelidos, os meus riscos físicos e a minha família som Mapuche-! Desde o primeiro minuto quando a organizaçom social começou a notar que eu já nom fazia parte dela, mas que eu estava trabalhando polo meu povo, aí foi um fechar de portas total. Foi um rechaço total e absoluto. De facto lembro umha reuniom onde me sentárom e dixérom, “ou estás com os Mapuche ou estás com nós! Foi assi de duro. Nesses momentos percebi aquilo que para mim era importante, por isto digo-lhe a gente que antes de mais todo, hai que valorar o que é um em essência, e a minha essência nom era ser umha cidadá, a minha essência como ser é umha essência Mapuche e isso nom podo negá-lo ainda que o quigesse, nom o podo esquecer. Quando assumi que era Mapuche abandonei as organizaçons sociais. Muitas delas jamais voltárom falar-me, embora desde fora praticassem todo esse discurso de apoio ao movimento Mapuche; mas eu dizia: Se as organizaçons sociais apoiam o movimento Mapuche, por quê quando comecei a apoiar o meu povo fum rechaçada? Pois bem, porque era umha menos para eles, porque era umha mao menos, porque era umha menos nas reunions. Nunca valorárom o facto de um Mapuche reconhecer-se como Mapuche e integrar-se na luita com o seu povo.

I.H: Entom, como som as alianças entre o povo Mapuche e os movimentos sociais? e se existem, como estám? Debilitadas, fortes? Como contemplas este processo agora?

W.O: Alianças históricas nom existírom, porque se falamos em movimentos sociais e um povo milenário, pois nós somos e fomos e estamos antes que todo isso (os movimentos sociais). Entom, partindo desta base a resposta é nom. Agora, se falamos entre povos podo-te dizer que si, porque antigamente o mapuche relacionava-se com outros povos e tecia alianças, com povos ancestrais principalmente. O povo mapuche tem-se caracterizado polas suas alianças. Mas para mim as alianças duram o que tenhem que durar, porque nós operamos desde lógicas muito distintas, para mim o mapuche tem umha lógica de mundo distinta a dos demais: entom nalguns momentos pontuais podem-se fazer, mas por períodos muito curtos e para temas muito específicos. Eu, por exemplo, podo ver diferentes movimentos sociais cá nesta realidade, o movimento dos sem teito, o estudantil, os quais tenhem demandas específicas que se bem tenhem custe, podem ser assumidas polo estado. Deste modo, os que pedem casas quando lhes ofereçam casas acabou-se o movimento social dos sem casas! se algumhas das demandas do movimento estudantil se cumprem como a gratuidade, acabou o movimento social pola gratuidade dos estudantes! A luita mapuche – e essa é a diferença- é algo que nom tem um para quando finalizar.

I.H: Isto ligo-o com as ideias feministas e lésbicas feministas anti-racistas e descoloniais, que dalgum modo questionam a conformaçom do mundo e apostam por transformaçons culturais radicais, por recuperar saberes com a conviçom de que servem para salvar o mundo. Achas que aí emergem possibilidades? Particularmente polo caso da Machi, houve umha mobilizaçom feminista e lesbofeminista ampla por todo Chile. Que achas? Tés algumha perpectiva?

W.O: Eu acho que som alianças que se podem dar por cousas pontuais. Desse lado também esperam apoio dos mapuches. Eu tenho falado isto com muitos dirigentes dos movimentos sociais e feministas que nos apoiam, que me tenhem convidado aos seus espaços e que é algo que sempre agradecemos. Eles dim “Vocês também tenhem que estar com os nossos” e aí a minha resposta é explicar que a nossa luita é um trabalho 24 horas por dia, por isso sair e estar presente numha atividade em que fomos convidados e deixar de fazer cousas que som transcendentais é difícil. Às vezes simplesmente nom podemos. Nós nom temos nada ao nosso favor, muito polo contrário luitamos contra um relógio de areia que em qualquer minuto acaba, acabou o tempo! Esse é o tema. O dia em que o nosso povo perda a sua língua ou acabem por matar toda a gente, será o fim do nosso povo; o fim de algo que existiu na terra, mas, por exemplo, as irmás que som feministas nunca deixarám de existir, se calhar a sua luita é ganhar direitos, mas nós estamos falando de existência. Aqui fôrom exterminados muitos povos, praticamente todos, entom temos tanto peso sobre os nossos ombros e tantas cousas nas nossas cabeças, que é quase viver umha agonia diária o facto de passar-nos a máquina acima todos os dias. Querendo ou nom, nós nom temos cabeça para pensar noutras cousas, nem estar pensando em como apoiar os outros irmaos porque focar nossa mente noutra cousa significa para nós que em qualquer momento matam-nos um irmão, é assim de forte.

I.H: É nesse caminho que algumhas feministas pensam que hoje é necessário escuitar a quem nom fala porque foi silenciado e pôr-se à sua disposiçom. Agora bem, as mulheres lésbicas também vivemos situaçons que som de ultra-violência, mas que nom estám sob os mesmos marcos, já que som outras as lógicas que se passam por aí. Desde este contexto, tu sentes que o feminismo ou os feminismos tenhem-se posto a disposiçom das demandas, exigências e necessidade urgente do povo Mapuche?

W.O: Para mim é difícil englobar toda esta classe de feminismos porque nom é um tema familiar para mim. Porque insisto, na minha cabeça e nos meus tempos nom me permitem estudar cada um dos términos dos que falas. Mas, quanto à solidariedade, sim que tenho que dizer que o tema da Machi recebeu muito apoio de gente feminista e um apoio social amplo, que nalgumhas questons forom acertadas e noutras nom.

Agora este tema do feminismo, nom sei se mal entendido, nom sei se o feminismo questiona estas cousas que eu acredito, mas sim acho que tem influenciado muito perversamente às pessoas e mulheres Mapuches; eu conversei sobre isto com outras irmás que estám mal influenciadas por esta palavra do feminismo, no sentido de a mulher ter de ser mais que o home, e aqui podo nomear vários exemplos que eu observei com outras irmás mapuches, onde praticamente defendem umha sociedade onde vivam apenas mulheres mapuches e nom existam os homens, porque as mulheres podem criar filhos do mesmo modo que os homes, porque os homes quase som inúteis e que nom servem na sociedade. Do meu ponto de vista isto é totalmente nocivo e destrutivo e eu nom quero que essa classe de pensamento comece a penetrar na nossa lógica, como lógica de mundo; porque a lógica do mundo mapuche nom é essa e nom tem nada a ver com isso: aqui nom existe mulher que destaque mais que um home, nem home que destaque mais que umha mulher. Agora, estamos numha sociedade onde o homem é agressivo e a mulher submissa e calada e permite que a golpeiem, e suporta todo; onde as mulheres nem tam sequer som capazes de entender quem som elas nem de valorar-se como pessoas. Isso é verdade, estamos integrados neste sistema em que o home ergue a voz e a mulher tem que estar aí abaixada ou ficar calada. Por isto quando nós falamos em controlo territorial é para poder, nestes espaços territoriais, repensar como era a vida e como esse equilíbrio natural nosso; porque o equilíbrio natural nosso nom é com o feminismo ou nengumha destas cousas, é com umha sociedade igualitária e armónica.

I.H: As ideias alheias como o feminismo, segundo as tuas palavras, tenhem favorecido umha preservaçom do colonialismo. No entanto, na história mapuche a mulher nom se observa com a mesma intensidade que o homem mapuche, nem muito menos assume um rol protagonista, a excepçom das mulheres que mencionamos. Podo entender que isto também é produto do colonialismo e que durante anos tem-se imposto umha história intervida por este modelo de violência, que implica a subordinaçom das mulheres. É por isto que me pergunto sobre as causas que fôrom e estám originando a ausência das mulheres e que geram as tensons que mencionas Como vês isto? Como se constrói esta aliança interna com essas mulheres mapuche que assumem estas luitas alheias, como as feministas?

W.O: É por isto que punha o acento no mundo mapuche, porque quando eu falo de mapuche falo dum povo, dumha organizaçom própria que hoje está funcionado em muitos poucos lugares. Hoje a nossa lógica está fortemente ocidentalizada. Por exemplo, pouca gente segue acreditando que vai fazer cousas através dos sonhos, ou que os nossos roles como pessoas estám predeterminados nom porque sejamos homens ou mulheres, senom porque som roles predeterminados desde tempos imemoriais. Vou explicar-me: antigamente havia mulheres e de facto estám nomeadas, embora pouco destacadas na história, que lideravam exércitos de puros homes e eram as que estavam à cabeça de centos e centos de homes, porque insisto nom se determinava se era home ou mulher como corpo, mas si como força espiritual, se assi podemos chamar-lhe. Umha força interior que lhe da poder de decisom, umha força doutro tipo, de entrega total que nom está determinada por ser home ou mulher. Isso determina-o a essência, por assi dizé-lo, porque assi como hai homes que nom fam nada e que nom se enfrentam à exploraçom que pode fazer um Winka na sua própria terra, também hai mulheres que nom o fam. O facto de ser home nom vai determinar o teu lugar na luita, nom é assi, porque hai homes que nom fam nada e nom lhes importa.
Eu digo que antes de considerar-me mulher, considero-me mapuche, o que quer dizer que eu nom me categorizo na figura da “mulher mapuche”, senom que som mapuche assi sem mais; polo tanto som eu um sujeito responsável da pertença e assistência do meu povo. Eu tenho filhos e também desenvolvo um rol de mae e som a pessoa que aqui trabalha o tema da autogestom e desenvolvo o rol de trazer esses recursos económicos à casa. Eu desenvolvo roles que se calhar som roles que normalmente nom cumprem todas as mulheres. Também desenvolvo o rol de estar nas comunidades; de bater-me a paus com os pacos (polícia) ou de esta na esquadra da polícia, ou de estar em lugares de resistência, em definitivo desenvolvo montes de roles. Mas insisto, fago-o nom por ser mulher ou porque procure destacar-me, mas porque hoje somos um relógio de areia e estamos perto de desaparecer. Se nós como Mapuches, nom como homes ou mulheres, mas como Mapuches percebêramos realmente que isto é questom de vida ou morte, assi de literal!, nom deveríamos confundir-nos pensando um segundo se som mulher ou home, porque nesta luita nós necessitamos a todos: homes e mulheres. Nós temos que atuar para que este povo siga existindo.

I.H: Entendo entom que ser Mapuche implica tratar-se de igual a igual, assumir umha força única que te permite tomar a decisom de querer e fazer. Tu falavas desta força espiritual que tem a ver com saberes ancestrais que se perdérom e que dam conta do processo de colonizaçom, Nesse caminho. Qual é o rol que desempenha a figura do Machi, e falando particularmente na Machi Francisca Lincoano? Qué é o que significa Francisca Linconao para o povo Mapuche? Como observas tu a situaçom dela?, Quais som as tuas inquietudes, alegrias e esperança a respeito do que se passou entorno da sua figura?

W.O: Nós temos falado muito nesta entrevista e com muita profundidade; eu poderia-te dizer que Francisca Linconao é umha pessoa mais, assim de simples, mas quando nós falamos de la Machi Francisca Linconao isso tem outro matiz pois nom é qualquer pessoa. A Machi Francisca é umha mulher de 60 anos que enfrenta a prisom política, que tem sido ameaçada de morte, mas se olhas com profundidade pode-se entender que ela nom está soa, porque ao falar de Francisca Linconao estamos falando do espírito antigo que habita nesta mulher e o espírito que habita nela é força para o mapuche. A Machi é machi quando está em trance, porque ai é quando chegam esses espíritos que nos falam, que nos sanam. Essa é a sua importáncia (…) No contexto geral dumha Machi, também hai Machis de conflitos, quer dizer, Machis que estám em resistências onde os irmaos que estám clandestinos muitas vezes som ajudados por um ou umha Machi. Lá o espírito que habita neles dim-lhes onde tenhem que ir, si é que se tenhem que ir, etc. Aos mesmos presos que saem livres também som visitados por Machis nos cárceres onde esses mesmos espíritos fam remédios. A nossa lógica de pensar como Mapuches entende que por intermédio desta pessoa vem o espírito dumha pessoa que se calhar viveu mil anos atrás, 5oo anos, se calhar resistiu nas guerras antigas e hoje está de volta quando falam através delas para contar como está a vida, como temos que fazer tal cousa, que se nos vem acima, etc. Entom, os Machis som dumha importância total. Nom sei se o winka terá algo assi, se bem tem aos curas pola religiom, nom sabemos se eles tenhem isso que nós chamamos força, poder, newen, quer dizer, o poder de dizer-nos que se tu faz isto pode ter consequências, ou que te diga que caminho deves seguir. Assi devera caminhar o Mapuche, dessa perspetiva, com as forças antigas que nos dim as cousas que devemos fazer hoje, porque quando nom se fai caso a todo isto cometem-se erros, gente que cai morta, gente ferida ou gente que cai presa, porque a crença é pouca. Para nós, Fancisca Linconao é a pessoa na qual esse espírito baixa e nos fala de se as cousas som ou nom importantes, di-nos como seguir existindo, como seguir sanando nossos corpos, como ter a nossa medicina. Por isso quando falamos de porque estrategicamente procuramos este tipo de pessoas – outro exemplo é o Machi Celestino que hoje está na prisom e condenado a 18 anos de cárcere e que viveu no mesmo setor que a Machi Francisca- é que porque se o Machi está no cárcere, quem ficamos fora, ficamos desamparados por dizé-lo dalgum modo. A quem vamos acudir para procurar medicinas se a Machi está presa?, quando se fam cerimónias, através de quem vai falar o espírito, se o espírito fala apenas através dela? Entom, assi arrancam os pés e as maos ao nosso povo. Arrancam-lhe todo porque a base do mapuche é a espiritualidade, a base da força e a resistência é a sua espiritualidade. Por isto é que hoje se persegue aos Machis com cárcere, por isto também é que antigamente os Machis quase se extinguírom, porque eram os primeiros que procuravam os invasores para lhes queimar as casas. Cortavam-lhes os dedos, maltratava-nos e eram assassinados. Eles nom podiam dizer que eram Machis, porque os matavam imediatamente. Hoje volve resurgir esta vocaçom. Atualmente no povo mapuche estám nascendo muitas crianças com estas faculdades sobrenaturais, como se lhes poderia chamar, e os espíritos afloram noutros jovens. Nestes tempos está renascendo esta força e isso sucede porque nom temos medo. Somos pessoas que embora mil vezes nos chamam índios! Mil vezes vamos levantar a cara para dizer, somos Mapuches! Se nos queres dizer índios entom passa por cima de nós, atreve-te a passar por cima de nós!, porque nom vamos estar de maos cruzadas aguardando-te. Essa mesma força é a que nós impregnamos nos nossos filhos. Esse mesmo espírito que está orgulhoso de ser o que somos, fai que as geraçons futuras também estejam crescendo cumha seguridade e essa seguridade fai justamente que nasçam novos Machis.

 

*Iris Hernández, ativista lesbofeminista, antirracista e descolonial, é Doutora en Estudos Latinoamericanos da Universidade de Chile.

*Paola Contreras Hernández é historiadora de formaçom e socióloga em construçom. Atualmente investiga a migraçom de mulheres latinoamericanas desde os processos de agenciamento e resistência. Forma parte do coletivo t.i.c.t.a.c. – “Taller de Intervenciones Críticas Transfeministas Antirracistas Combativas”.
[*]Em Mapudungun Werken significa mensageiro e é umha autoridade tradicional do povo Mapuche.

[1] Lei promulgada em 1993 no governo de Patricio Aylwin.

[2] “A colonialidade do poder é um dos elementos constitutivos do padrom global de poder capitalista. Funda-se na imposiçom dumha clasificaçom racial/étnica da populaçom do mundo como pedra angular de dito padrom de poder, e opera em cada um dos planos, ámbitos e dimensons, materiais e subjetivos da existência quotidiana e a escala social. Origina-se e globaliza-se a partir de América. (…). Noutras palavras: com América (Latina) o capitalismo fai-se mundial, eurocentrado e a colonialidade e a modernidade instalam-se, até hoje, como eixos constitutivos desse específico padrom de poder” (Quijano, 2007b: 93-94). “Colonialidad el Poder y Clasificación Social”, em S. Castro-Gómez y R. Grosfoguel (Eds.) El Giro Decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Pontificia Universidad Javeriana, Siglo del Hombre Editores. Bogotá (págs. 93-126).

[3]Termo que em mapudungun fai referência às pessoas nom mapuches.

[4]A Machi é umha autoridade espiritual dentro do povo Mapuche, dirige cerimónias de curaçom pois é a figura central na sua medicina ancestral; também é guia espiritual e conselheira do seu povo.

[5]Francisca Linconao criminalizada e represaliada polo Estado chileno acusada, junto de outras onze pessoas mapuche, de ser a responsável do assassinato da família Luchsinger-Mackay. Nom existem provas na sua contra, a única testemunha do caso desdijo-se das suas acusaçons, denunciando presons ilegítimas por parte da policia; no entanto, tivo que aguardar no cárcere um julgamento que para a comunidade de apoio é a todas luzes umha montagem policial. Estas montagens som estratégias recurrentes no denominado conflito mapuche. O caráter de autoridade ancestral da Machi tem gerado um movimento nacional e internacional de apoio que evidencia como o que é ilegal em território winka, é transformado em legal em território mapuche. Chega com lembrar que a Machi tivo um grave deterioro de saúde e nem o governo -que representa ao Estado- nem nengumha das instituçons interviu, pondo em questom a operatividade do 169, a noçom de interculturalidade e as normativas internacionais.

[6]Lorenza Cayuhán é umha mulher Mapuche que no marco da resistência mapuche foi detida e torturada, foi obrigada a parir algemada. Sayén, a sua wawa, mantém-se até a data de hoje encarcerada junto da sua mai. No que diz respeito deste caso foi a própria presidenta da República Michelle Bachelet quem questionou este facto, comprometendo-se a estabelecer as responsabilidades respeito do ocorrido. No entanto, e além do que indica Bachelet, as redes de apoio antirracista como a lesbofeminista de Santiago entendem que enquanto nom se questione a universalidade dos direitos que habitam no marco normativo do país estará-se vulnerando a liberdade de comunidades que possuem legítimos sistemas de crença. Em termos concretos: pouco valor tem para a rede, as palavras dumha presidenta que nom pode compreender os alcances coloniais da sançom das diferenças.

[7]Macarena Valdés Mapuche, ativista defensora da terra foi assassinada no ano 2016. As evidências ao respeito da sua morte responsabilizam a transnacional HP Global. Na atualidade a família procura reunir dinheiro para realizar umha nova autópsia ao cadáver, graças as acçons desenvolvidas para que a justiça nom fechasse o caso em março deste ano.

[8]Patricia Troncoso, mais conhecida como a Chepa, é umha ativista chilena que apoia a causa mapuche. Foi condenada a 10 anos de cárcere denunciada como participante no incéndio ao fundo Poluco Pidenco. No 2007 iniciou umha das greves de fame mais longas da história chilena, 112 días nos quais exigiu a desmilitarizaçom do território da Araucanía, a derogaçom da Lei Antiterrorista y a liberdade dos presos envolvidos no caso polo qual ela tinha sido condenada.

[9]Irmás Pewenches que resistírom à construçom da central hidroelétrica Ralco (Endesa) em territórios ancestrais do Alto Bio-Bio. A sua intervençom política marca a década dos 90 no país.

*Publicado originalmente em desde-elmargen.net.