Por Christian Parenti  (traduçom e adataçom de galizalivre) /

Numha situaçom caraterizada por quase toda a comunidade científica como anómala, a Galiza leva muitos meses situada baixo a influência constante dum anticiclom das Açores que variou a sua posiçom, achegando-nos a parámetros climáticos semelhantes aos do sul peninsular. Se bem a mudança climática está nas conversas, menos se conhecem as suas terríveis consequências, que serám também políticas. Achegamos a leitores e leitoras um texto que pode ajudar a situar-nos no panorama que afrontamos.

‘Adoito imaginamos a crise climática como um colapso súpeto, acompassado e simultáneo no que a agricultura esboroa, os mares rebordam, a doença espalha-se, e a civilizaçom humana se consome numha guerra hobbesiana do todos contra todos. Mas na realidade, algumhas crises aparecerám imediatamente, enquanto outras demorarám um tempo longo; e se nós atuamos com velocidade e determinaçom ainda poderiam ser evitadas.

No curto prazo, quiçá começando entre 2020 ou 2030, o problema fulcral vai ser umha nova crise urbana marcada polo clima, e caraterizada por desinvestimentos, abandono e despopulaçom; a causa vai ser a suba dos níveis do mar e enormes trevoadas com anegamentos que podem desfazer infraestruturas urbanas. Assim que o nível da água sobe e as enchentes incrementam a sua severidade e regularidade, a noutrora ‘linha de praia dos senhoritos’ virará um novo gueto popular.

A nova crise urbana terá ainda maior impato negativo em outras partes da economia global. O colapso dos mercados imobiliários costeiros poderiam causar crises mais amplas em mercados financeiros; no entanto, a perda de comunicaçom e nodos de comunicaçom fornecidos polas grandes cidades portuárias poderia danar a economa real. Nom podemos desbotar novas crises económicas causadas pola mudança climática.

Aí vem o océano.
Mesmo se reduzirmos drasticamente a emissom de gases de efeito estufa e curtamos a presença de CO2 na atmosfera para estabilizarmos a temperatura, esta vai subir quanto menos 2Cº sobre a base de 1990. Nós estaremos entom realmente atrapados em níveis de suba do mar bem significativos. O derretimento de icebergues na Groenlándia e Antártida, a perda de montanhas glaciares e a expansom do volume de auga oceánica estám a causar este processo.

Na costa leste dos Estados Unidos, o océano vai subir três ou quatro vezes mais rápido do que a meia atual, que já é alta de seu. Se em 1993 a suba anual do nível do mar era de 2.2. milímetros por ano, em 2014 acadara já 3.3 milímetros por ano. Por volta de 2100, a meia de suba do nível do mar poderia ser de 2 a 2.7 metros. (…) Estes dados manexam-se usualmente para alertar da ameaça de cidades enteiras ficarem baixo a auga; mas no entanto, os océanos em ascenso estám mudando, de vagar mas sem trégua, os valores da propriedade, as paisagens urbanas e a própria dinámica da cidade.

As trevoadas contra a infraestrutura urbana.
A ameaça real nom é tanto a vagarosa suba do nível do mar, mas, antes disso, os grandes anegamentos causados por vagas de grandes trevoadas. Estas enxurradas danam as infraestruturas como um todo, nom apenas os seus limites exteriores. Por exemplo, durante o furacám Sandy a vaga de trevoadas que bateu contra o baixo Manhattan fijo com que o nível do mar fora quase três metros mais alta que durante a típica maré alta.

Quando a infraestrutura é danada, mesmo propriedades que ficam ilesas, perdem valor, por dependerem da eletricidade, o trasporte e sistemas de trazida de augas.

Umhas poucas inundaçons em rápida sucessom poderiam começar um processo combinado de debalar físico e sócio-económico. Acontecerá polo tempo e o tremendo gasto preciso para se repararem linhas de fornecimento de augas, eléctricas e telecomunicaçons, metros e comboios; auga corrente e tratamentos de depuradoras, centrais hidroelétricas. Quando tal gasto se perceba, proprietários podem entrar em pánico e começar a vender. Nesse ponto ficará claro que as barreiras contra o mar nom fôrom construídas a tempo, e que infraestrutura vital começou a colapsar. Os valores de propriedade caerám, possivelmente trazendo mais pánicos financeiros.

Se planejáramos adequadamente este cenário, poderíamos imaginar como solventar ditos problemas. Mas de o atual negacionismo continuar, os mercados serám apanhados por surpresa, e entom si poderia produzir-se um medo generalizado no mercado de proprietários; medo que aginha se traduziria em perdas financeiras mais graves. (…)

O colapso de valores de propriedade significa umha menor base impositiva, e isto leva aos governos locais terem menos meios para afrontarem os custes de infraestrutura. Mas os valores de propriedade dependem inteiramente da infraestrutura como um todo.
O furacám Katrina, que bateu em Nova Orleans em 2005, como é sabido, foi aginha seguido polo furacán Rita; os feitos oferecem umha mostra do que nos espera.

O professor Bernard Weinstein, da Universidade de North Texas, estimou o coste destas trevoadas combinadas em 250000 milhons de dólares, quer em danos diretos e indiretos. Weinstein averiguou que 113 plataformas de gás e petróleo ficárom desfeitas, 457 gasodutos e óleodutos fôrom danados, e umha cantidade de petróleo equivalente ao naufrágio do Exxon Valdez foi derramada. Katrina impediu a coleta da metade dos impostos de Nova Orleans, estragou a maioria da colheita de açúcar, e semeou a devastaçom na indústria da ostra. As companhias asseguradoras houvérom de pagar até 80000 milhons de dólares.

Ainda mais terrível, Katrina matou 1836 pessoas ao longo do Golfo, os mais deles reformados que ficárom atrapados em casas ou abandonados em casas de acolhida. Temos esquecido a magnitude de tal desfeita, em parte porque os grandes proprietários e a indústria do entretimento em Nova Orleans abraçárom o processo de reconstruçom com tal insensibilidade e inconsciência. Ao cabo, eles estavam emocionados polo feito do furacám ter causado o seu pior dano nos arrabaldos como Ninth Ward. (…)

Preparaçons defensivas.
A cidade de Nova Iorque oferece, numha chiscadela, o panorama das possibilidades e patrologias da planificaçom urbana ante a suba do nível dos mares. Após 2012, quando o furacám Sandy causou 500000 milhons em danos, incluindo a desfeita ou deterioramento de 650000 vivendas, ficou claro que era preciso tomarem-se medidas. Finalmente, o Congresso assignou sobre 60000 milhons em ajuda federal por trabalho de recuperaçom e resiliência na zona atingida. Mas o ritmo de pagamento foi tremendamente lento.
(…)
Com a passagem dos anos, as cidades que nom construam barreiras contra o mar altas abondo vam ser golpeadas. Anegadas por trevoadas em rápida sucessom, algumhas cidades toparám-se esnaquiçadas para reconstruirem a sua infraestrutura, e um processo de apodrecimento real e metafórico irá avançando. Quando os serviços públicos debalarem, também o fará o valor da propriedade, e ambos fenómenos retroalimentarám-se; a paisagem em deformaçom e apodrecimento vam ser o sintoma visual dumha espiral político-económica de minguante imposiçom fiscal, desinvestimento e abandono.

Em definitiva, aqueles que puderem abandonarám a costa. Um estudo da Universidade de Geórgia, a cargo do demógrafo Mathew Hauer, prediz que 250000 pessoas de Nova Jersey terám de mudar-se pola suba do nível do mar em 2100. Na Florida, segundo esse mesmo estudo, 2.5 milhon de pessoas terám de deixar o seu lar na altura.

Quiçá algumhas das cidades costeiras devastadas chegarám a ser fonte de conflituosidade e desavinça. Vivendas de alta qualidade na agonizante linha de costa podem valer a pena para saqueadores na procura de tijolos, cabo de cobre, lousa, janelas, portas ou madeira para ser vendida em mercados do interior. Nós já vimos este modelo no Cinto de Ferrugem (Rust Belt): durante a maioria da década de 90, a exportaçom ponteira de Saint Louis fôrom velhos tijolos rumados para o Cinto do Sol (Sunbelt), onde esse lixo foi reciclado trás ser comprado a crédito.

Que acontecerá em Dhaka, Lagos, Karachi ou Rio? Todas elas som mega-cidades situadas em chairas perto do nível do sol, em naçons já em crise, com umha corrupçom lendária e umha pobre planificaçom. Devêssemos assumir que quando a mudança climática impacte de vez, muita gente migrará terra adentro ou tentará marchar ao estrangeiro.

Pontos de bloqueio das infraestruturas.
A geografia do capitalismo global confia desproporcionadamente na cidades costeiras como bases do comércio, pesquisa, transporte e ensino. Estes som os nós que ligam o mundo inteiro. A maioria da produçom industrial, por exemplo, depende nom só do que acontece em fatorias e campos, mas também num pequeno número de colos de garrafa infraestruturais; constituem elos internacionais de cadeas de fornecimento: som portos chave, aeroportos, autoestradas e caminhos de ferro; também pontos marítimos mui sensíveis, tais como os canles de Panamá e Suez.

Um estudo recente do think tank británico Chatham House averiguou que o 55 por cento do mercado global de grao passa através de um dos catorze ‘pontos de bloqueio’, todos os quais som vulneráveis às condiçons climáticas extremas, como anegamento, suba do nível dos mares, e os conflitos político-militares que vam associados.

Neutralizados ou danados tais pontos, e a circulaçom mundial de comida será ameaçada. Chatham House analisou como o 20 por cento do comércio global de trigo passa através dos estreitos turcos; e que mais do 25 por cento da soja exportada passa através dos estreitos de Malacca, entre a Malásia e a Indonésia.

O mundo já alviscou como umha inundaçom local pode impatar globalmente no fornecimento de alimentos; em 2011, anegamentos na Tailándia atingírom a maioria de Bangkok, incluindo mais de 1000 infraestruturas industriais que fabricavam desde carros até cámaras, passando por discos rígidos. O gabinete para a reduçom do risco por desastre da ONU estimou que aqueles anegamentos reduzírom a produçom industrial mundial num 2,5 por cento. (…)

A emergência permanente.
Quando as cidades costeiras esvarem cara a ruína e aqueles que puderem migrar o fagam, desigualdade e depravaçom aumentarám. Quem ficarem atrás estarám zangados e terám pouca vontade de manterem umha orde social que os deixa numha zona de sacrifício. Quem será o derradeiro em ir-se? Se a história da América oferece respostas, estes serám os e as mais pobres, refugiados climáticos indocumentados; quiçá sejam os ‘bichicomas’ e ocupas das cidades mortas.

Um pode imaginar facilmente movimentos sociais esquerdistas a emergerem nestas zonas, ou correntes reacionárias milenaristas, ou simplesmente umha ampla delinquência apolítica. Todo isto poderia levar, em troca dumha mudança social radical, a umha resposta paramilitar do Estado: controlos, patrulhas especiais, guarda nacional, vigiláncia de racistas e direitistas auto-organizados.
Nos vimos já tais modelos na Costa do Golfo depois do Katrina. Quando os governos locais oferecêrom ajuda a Nova Orleans, a maioria dela veu em forma de polícia armada. Isto deveu-se, em grande parte, porque após quase cinquenta anos de polícia subsidiada polo poder federal, as mais das cidades tinham um excedente de capacidde repressiva, mas praticamente nunca focado para gerir a defesa civil em situaçons de desastre.

Um estado de emergência permanente em zonas costeiras deformadas, cobertas de bulheiro, poderia devir a norma. Assim, as augas crescentes da mudança climática ameaçam com erodir nom só as praias, também as liberdades civis.

A migraçom de massas e umha vaga de racismo derivada dela som os primeiros fitos da crise climática na sua fase temperá. À altura de 2030 e 2040, muita mais gente estará em movimento. Para já, demagogos da extrema direita, da Arizona à Costa de Marfim, de Myanmar a Paris, tenhem vocejado contra os foráneos. Demasiado amiúde os demagogos conduzem a medonha e a raiva para o poder, e umha vez empoleirados, focam a repressom contra imigrantes e pobres.

Assim, o neoliberalismo e o militarismo nom só produzem a seca, também crises, guerra e vagas de refugiadas e refugiados no Sul Global; no norte produzem um reforçamento do Estado autoritário e oportunista.

Soluçons.
Há boas novas: nós temos as tecnologias que precisamos para salvarmos a civilizaçom do colapso climático: engenhos de energia solar e eólica; carros elétricos; a habilidade de recuperar terras ermas e de construir barreiras artificiais para blocar o poder dos mares. E nós também poderíamos desenvolver as capacidades políticas para ganhar umha maioria que defenda políticas de saúde e segurança para a maioria.

Tam importanto como isto: temos a tecnologia para diminuir CO2 na atmosfera. Esta tecnologia é simples abondo e tem funcionado em submarinos durante décadas. O problema foi sempre como armazenar com segurança esse CO2.

Agora, científicos na Islándia criárom recentemente um processo que retira CO2 da atmosfera e o conduz para a rocha. O processo, chamado ‘enhanced weathering’ em inglês, arremeda um dos processos naturais polos que o dióxido de carbono se evapora da atmosfera e é conduzido para a rocha mesturando-o com sulfido de hidrógeno com auga; a posteriori é inetado em formaçons de rochas basálticas. Em dous anos, o CO2 na mestura de auga ‘precipita-se’ numha rocha carbonatada semelhante às calcáreas. Felizmente, a rocha de basalto, base do processo, é umha das mais comuns na Terra.

Porém, como a adequada defesa das cidades do mar, nom há maneira de as relaçons mercantis, ou de lucro, podam levar esta tecnologia a escala. A economia mundial produz por volta de 40000 milhons de toneladas de emissons de dióxido por ano. (…)
Os siareiros do livre mercado tenhem proposto vender esta rocha, artificialmente criada, como material de construçom; a ideia nom fai sentido: por quê mercar umha rocha cara quando umha muito mais barata está disponhível na natureza. Fica claro que o sector privado e o afao de lucro nom podem desenvolver este método à escala precisa, nem desenvolver umha rápida transiçom energética, nem construir proteçons costeiras à escala e ao ritmo precisos. Mas nenhuma destas tarefas é técnica ou economicamente impossível. O mecanismo preciso em cada caso é o Estado em acçom, o sector público.
(…)

Tecnologia ponta, baixo propriedade pública, vai ser central para um projeto socialista de resgate civilizacional; ou isso, ou a civilizaçom nom perdurará.’

*Publicado originalmente em jacobinmag.com.